UMA DE MINHAS SANTÍSSIMAS TRINDADES
LEONEL
Essa é a terceira e última ~newsletter~ de 2020, esse ano que não vai deixar saudade. Eu estava, dia desses, bebendo cerveja com o Simas no play do nosso prédio (sim, aos 51 anos, descer pro play passou a ser um programa!), somos vizinhos separados por quatro andares, e falávamos sobre as insuportáveis mensagens de final de ano que começavam a invadir o WhatsApp romantizando o ano e fazendo planos para 2021. E eu disse a ele, à certa altura, que a melhor coisa que aconteceu em 2020, sem sombra de dúvida, foi a construção da minha relação com Leonel, meu filhote que hoje está com 2 anos, 6 meses e 26 dias.
Não fosse a pandemia, não fosse a necessidade do isolamento, a suspensão das atividades presenciais no trabalho, não fosse todo o caos que vivemos desde março, e eu não teria passado tanto tempo - tanto tempo! - ao lado dele, colado com ele, construindo com ele uma relação impressionante de cumplicidade.
E se eu tô achando insuportáveis as tais mensagens a que me referi, não quero ser piegas, aqui, falando do meu filho, repetindo lugar-comum e frases feitas sobre a relação de pai e filho - sendo igualmente insuportável.
Mas é que é que tão chocante perceber que só vivemos o que vivemos por obra e graça da tragédia que se abateu sobre o mundo que eu não consigo não dizer isso: que foi esse o grande ganho num ano de tantas perdas.
2020 não foi bolinho, diria minha saudosa bisavó.
ALDIR BLANC
A maior das perdas: Aldir Blanc.
Foi no dia 04 de maio. Acordei com a notícia já pipocando no celular.
O que todos temíamos, aconteceu: ele não resistiu aos revezes da contaminação pelo coronavírus. Partiu sem a despedida que merecia (mas que ele não desejava, um dia conto sobre isso).
Meu celular nunca mais tocou com seu nome piscando na tela. Aldir me ligava todos os dias, religiosamente todos os dias. E foi a perda que mais me doeu. Eu não perdi apenas um grande amigo. Eu perdi um sujeito que foi, ao longo de nossos mais de 25 anos de convívio, meu pai, meu irmão, meu filho, meu confidente, um de meus orixás vivos - como eu o chamava.
Se falávamos todos os dias, nos víamos muito raramente por conta de sua reclusão. Em compensação, nosso último encontro foi de não se esquecer. Aldir, quando soube que a Morena estava grávida, foi ao delírio - não há, aqui, nenhum exagero, Aldir explodiu de alegria com a notícia. E disse que queria porque queria abençoar a barriga que guardava Leonel. Em abril de 2018, no começo do mês, ele me disse:
— Venham aqui em casa no dia 27. Comemoramos teu aniversário e eu rezo a barriga da Flávia.
Assim fizemos.
Nada com Aldir era trivial. Eu julgava que o “eu rezo a barriga” era só um pretexto pro encontro. Que nada! Com a casa cheia - a mulher, as filhas, as netas e o bisneto - e com a mesa farta, ele pediu silêncio à certa altura, pôs a mão esquerda sobre a barriga da Morena e conversou com Leonel, comovendo a gente de forma aguda.
“Alô, Leonel! Aqui é o vovô Aldir abençoando essa barriga santa aqui… e dizendo, venha participar!… é uma loucura, Leonel, não te prometo muito, não… mas do jeito que a sua mãe é, seu pai, seus amigos que vão te encontrar… vai ser glorioso, tá?! E depois de você virão outros certamente… é que eu vivo rogando esse troço aqui em casa mas não aparece outro… mas vai vir, vai vir outro… depois de Leonel vai vir o Darcy Ribeiro, vai vir a turma toda! Um beijo!”
De lá pra cá (o maragatinho nasceu no dia 31 de maio), em muitas ocasiões ensaiamos um novo encontro, dessa vez pra ele conhecer Leonel, a quem ele chamava de neto.
Não rolou.
O que me consola são as mais de duas décadas de convívio com ele, o maior de todos, o tanto de histórias que vi, que ouvi, que vivi ao lado dele.
O que me consola é que tenho a cerimônia do batismo (ele dizia que tinha batizado Leonel dentro da barriga) gravada no celular.
O que me consola é saber que um dia vou mostrar o filme pro meu filho, contar pra ele sobre Aldir, fazer ele ler os tantos e-mails que Blanc me mandava perguntando de Leonel, pedindo fotos, vídeos, rasgando elogios pro moleque.
Aldir é uma saudade que não passa.
LUIZ ANTONIO SIMAS
Falei pra vocês sobre o play.
E falei sobre o Simas.
Temos mesmo vivido essa festa que é descer pro play, essa atividade tão impensável pra dois cinqüentenários.
Mas o fato é que às vezes o interfone toca do 6º pro 2º, às vezes do 2º pro 6º, sempre com o mesmo convite:
— Play em 10 minutos?
E daí vivemos momentos como esse, cerveja gelada, álcool 70º, lombinho de porco, tudo no playground.
Tudo isso com a visão estonteante da praça Afonso Pena, a mais bonita da cidade, e com uma brisa que só no Nordeste.
SANTÍSSIMA TRINDADE
Falei pra vocês sobre o Simas.
E falei a vocês sobre o Aldir.
Aldir me ligou um dia e disse:
— O Simas é um filho da puta, está escrevendo tudo o que eu queria ter escrito. E tem mais: não tem ninguém escrevendo no Brasil como ele.
E falei pra vocês sobre Leonel.
E falei que o Aldir foi “meu pai, meu irmão, meu filho, meu confidente, um de meus orixás vivos”.
O Simas é um pouco isso tudo também. É o cara que cuida de mim, de meu filho, de minha mulher e de nossa casa.
E eu, até hoje, desde o primeiro dia em que eles se conheceram, não sei descrever, precisamente, o que senti quando vi Leonel em seu colo, ele que, no meu colo, viu o Simas com o opelê nas mãos desvendando seus primeiros segredos.
Simas e Candinha me deram Benjamin, o moleque deles (hoje com 9 anos), pra ser meu afilhado - sou o padrinho de rua do piá, esse o cargo que me foi dado.
Leonel é mais.
O Simão - é como o maragatinho o chama - é mais.
E isso me acalenta demais o coração.
Tenham todos vocês, que me lêem, um grande ano de 2021. Muita coisa indica que o ano será tão duro (ou mais) quanto 2020. Tenhamos todo ânimo pra superar os revezes. Tenacidade pros enfrentamentos que se fizerem necessários. E sabedoria pra ficar quieto quando for preciso.
Até.
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Que coisa linda, Edu! Também acho que essa pandemia ainda vai servir para valorizarmos muita coisa. Beijo grande pra vocês e um ano com esperança de dias melhores.
Vida longa ao Maragatinho!! Leonel, que nome lindo.