Falta pouco pro lançamento da pré-venda do livro que escrevi - Tijucanismos - e que será editado pela Mórula (por onde lancei, a quatro mãos, com Julio Bernardo, De hoje não passa, que você pode comprar aqui).
Anteontem, no começo da noite, recebi o arquivo PDF do bichinho para mais um “pente fino”, a expressão é da minha dulcíssima editora, Marianna Araujo. Passei o pente fino, terminei já alta madrugada, e mandei o resultado da operação por e-mail com os olhos esgarçados de tanto chorar - explico.
Antes, porém, mirem os olhos na foto abaixo: minha mãe à minha direita, na extrema esquerda da fotografia, minha avó à minha esquerda (ambas com uma faixa branca nos cabelos) e minha bisavó - a mulher mais marcante da minha vida - de cabecinha branca, no outro extremo.
E por que chorei tanto?, alguns de vocês que me lêem hão de perguntar.
Porque reli cada linha do que escrevi. Ative-me, com apuro, da primeira à última página - serão cento e poucas - e fui, da primeira à última página (estou repetindo de propósito), o menino que está de mãos dadas com a mãe e com a avó, de short e de camisa listrada.
Estou sentado no muro diante da casa de vila em que moravam meus avós, e minha bisavó, na rua Professor Gabizo 116, casa 2, a poucos metros de onde vivo hoje, avenida cortada pelo rio Trapicheiros e sombreada pelo corredor impressionante de casuarinas tombadas pelo Poder Público que margeiam o rio. A vila não existe mais há muitos anos, virou um hipermercado. Mas estão assentadas ali, até hoje - e assim será para todo o sempre - todas as minhas histórias e as minhas memórias de infância (na foto abaixo, meu irmão mais velho, Fernando, e eu, vestidos de índio [politicamente incorreto hoje em dia] em 1974, nessa mesma vila).
E depois dali, depois que aquela vila foi demolida e meus avós se viram obrigados a mudar, a casa nova era também de vila, número 84 (casa 4!) da São Francisco Xavier, a poucos metros dali e a poucos metros de onde vivo hoje. Vila essa que ainda está de pé e que visito, vez por outro, como uma Meca a que recorro, fanático por tudo o que vi e que vivi ali (eu diria que os melhores assombros da minha vida, e que me moldaram, foram todos vividos ali).
Não é raro sair caminhando e estacar diante do portão da vila, de onde fico me procurando até que me vejo em miragem correndo enquanto eu choro em silêncio com saudade de tudo.
Voltemos ao livro.
Escrevi, essa certeza materializou-se brutalmente em mim ao fim da releitura, não um livro, mas uma espécie de acerto de contas, uma catarse, um espetáculo-exorcismo dos fantasmas que ainda vivem, e viverão pra sempre, dentro de mim.
Enquanto eu lia, eu ria. Percebia que ria porque precisava não chorar enquanto escrevia e quando percebia efetivamente isso… chorava.
A parentalha girava em volta de mim enquanto eu lia, o que piorava muito a minha situação. Experimentei, de novo (vira-e-mexe acontece), uma sensação que me assalta de vez em quando ao me ler: não lembrava de ter escrito isso ou aquilo, e evidentemente não cogito nada parecido com mediunidade (como venho de uma família de fanáticos kardecistas, poderia ser o óbvio) mas sim ao resultado de surtos febris que sofro quando sou arremessado em direção ao passado.
E Tijucanismos é fruto de intensos arremessos ao passado.
Esses arremessos, esses arrancos em direção ao passado, sempre foram muito freqüentes e de certa forma muito prazerosos - eu sempre gostei de enfrentá-los, muitas vezes os provoquei inclusive.
Com o passar dos anos, ficando mais velho, os tais arremessos passaram a me machucar um pouco mais. Mas eu sempre soube continuar a extrair beleza desse sofrimento.
Depois que Leonel nasceu, há quase 2 anos e 10 meses, esses guinchos pro final da década de 60, pra de 70, 80, 90… passaram a ser ainda mais constantes. E a dor emergente muito mais lancinante.
Fechei assim o meu e-mail pra Marianna (que além de minha editora é minha amiga querida, proprietária de cadeira cativa na nossa cozinha): “E como eu queria que minha bisavó voltasse só por 15 minutos pra que eu pusesse Leonel em seu colo.”.
TERESÓPOLIS, 1969
Meu pai está em pé.
Minha mãe, de cabelos negros e compridos, à esquerda. À direita, Alzira, minha tia Zirota (lê-se Ziróta). Tia Zirota era irmã de minha bisavó, Mathilde, de minha tia Idinha (Hilda) e de meu tio Maneco. E era casada com um inglês, morava em Teresópolis, e por isso era tratada como uma estrangeira por toda a família.
E eu no colo dela, minha bisavó Mathilde com quem convivi até os 13 anos de idade, em 1982.
A matriarca das matriarcas.
A dona da minha maior saudade.
A que trinta e nove anos depois, ainda dói.
A ponto de me fazer sofrer, vão vendo o tamanho do troço, pelo simples fato de que Leonel não pode experimentar o colo mais aconchegante e protetor que jamais experimentei.
Tá tudo lá, de um jeito ou de outro, explícita ou implicitamente, no Tijucanismos.
Prova evidente, como uma espécie de biópsia da minha alma a comprovar a sentença, de que a Tijuca está enterrada em mim como sapo de macumba (apud Nelson Rodrigues).
Até.
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