Dezembro de 1999 - eu disse 1999, portanto há 24 anos.
Eu, acompanhado da mulher que, a despeito de ter morrido, está viva, fui ao Trem do Samba pela primeira vez.
Fui a muitas edições da festa - que acontece sempre no começo de dezembro, dia 02, Dia Nacional do Samba - e sou testemunha ocular da transformação da coisa.
Antes de seguir, quero fazer uma breve digressão.
Um dos meus pânicos, e é importante dizer que sempre convivi com gente infinitamente mais velha do que eu, sempre foi passar a ser, a partir de determinado momento da vida, um saudosista amargurado. Eu não quero, e sobretudo não posso, nem ser saudosista e nem ser amargurado.
A vida sempre me foi muito generosa e eu sempre tive muita sorte com relação ao que vivi, a quem conheci, ao que vi, ao que ouvi, ao que fiz. Eu seria ingrato, comigo e com todos que sempre me cercaram, se passasse a ser aquele chato modorrento que anda trazendo na coleira imaginária a frase no-meu-tempo-é-que-era-bom.
Nada disso.
Tempo bom é o tempo que se vive. O tempo que se aproveita. É preciso, sempre, olhos de ver e ouvidos de ouvir. Aquele que sabe fazer a hora não tem tempo pra saudosismo ou amargura.
Dito isso, vamos em frente.
Já digo de pronto: eu não acho que a festa hoje seja ruim. Só não é, mais, pra mim.
Hoje eu ando com uma das frases do Simas no bolso, distribuindo-a para muita gente que me faz convites estapafúrdios. E pra ficar no tema, a frase é: tô novo demais pra morrer mas velho demais pro Trem do Samba.
Explico: não tenho paciência pra quantidade de falsos chapéus Panamá por metro quadrado. Não tenho paciência pra quantidade de gente mais preocupada com a selfie do que com a roda de samba. Não tenho paciência - simples.
Assim como não tenho paciência, mais, pra festa do Dois de Fevereiro em Salvador, na Bahia.
Farei brevíssima digressão de novo: as religiões dos orixás (não suporto a expressão de matriz africana), de uns anos pra cá, passaram a chamar à atenção de muita gente que nada tem a ver com o sagrado - mas só com a festa.
E a festa de Iemanjá, no Dois de Fevereiro, é o ápice desse fenômeno.
O que li, há uns dias, num site de promoção de eventos em todo o Brasil, é inacreditável. Vamos às aspas (o texto está aqui):
“A festa de Iemanjá no Rio Vermelho está de volta! (…) Dorival Caymmi eternizou em canção uma das festas mais tradicionais e conhecidas da Bahia (especialmente em Salvador, no bairro do Rio Vermelho) em homenagem à Yemanjá, a nossa rainha do mar.
Temos 4 passeios especiais para você realizar durante o evento:
1: Caminhada Tour pelo Morro da Sereia (…).
2: Tour pela festa acompanhada por um guia e um segurança do evento.
3: After tour no final do dia 02 mostrando esse momento da festa e os melhores locais para curtir esse momento.
4: Passeio de barco para levar a oferenda no meio do mar com atabaque sendo tocado e baianas típicas acompanhando para fazer a cantoria e jogar flores.
Com localização privilegiada e uma bela vista da Pedra da Sereia e do Farol da Barra ao Farol de Itapuã, é o local ideal para quem deseja um local marcante e diferente pra curtir este dia emblemático, com conforto, um axé especial.
(…)
A partir das 16 horas, trazemos o melhor da música baiana, brasileira e internacional, numa trilha sonora especial e marcante. O nosso sunset beira mar!”
É ou não é inacreditável?
MAIS SOBRE BOISSON
Se você já me lê - durante essa semana que passou, a newsletter ganhou mais de 100 novos assinantes - você deve lembrar que, na semana passada, eu trouxe à superfície um personagem icônico da cidade, Guilherme Boisson (aqui).
A repercussão foi tremenda.
E-mails, mensagens por diferentes redes sociais, gente elogiando o texto (agradeço, de novo, agora publicamente) mas, sobretudo, gente querendo saber mais (pedindo!, pedindo!) sobre ele.
Pois vamos ao que quero lhes dizer.
Almocei hoje, nesse sábado chuvoso no Rio de Janeiro, com dois amigos em Botafogo.
Fomos a um restaurante português - hoje especialmente não importa o nome do restaurante, não importa o nome dos amigos - e comemos muito bem.
Estávamos dividindo esse bacalhau às natas quando o sacrossanto nome de Guilherme Boisson veio à mesa.
Foi assim.
Um dos meus amigos disse:
— Puxa! Deveríamos ter chamado o Boisson pra almoçar conosco!
Expliquei que Boisson estava viajando.
O maître vinha passando, estacou diante da mesa:
— Com licença, senhores. Não quero ser indiscreto mas… eu ouvi o nome Boisson. Os senhores estão a falar do Guilherme? - e ele tinha a expressão lívida, um misto de vergonha por conta da ousadia com admiração.
— Dele mesmo! - eu disse.
O maître pôs as mãos unidas, em prece, levou-as à altura do queixo, dobrou a cabeça em direção ao peito e gemeu:
— Um dos nossos melhores clientes. Este prato, que os senhores escolheram, iria se chamar Bacalhau Boisson… Mas o Guilherme… sempre muito humilde, sempre muito discreto, pediu que não fizéssemos a merecida homenagem.
Éramos, já disse, três à mesa.
Nossos seis olhos se cruzaram.
Eu perguntei:
— Mas por que seria Bacalhau Boisson?
— Na primeira vez que ele pediu o prato, lembro-me bem, foram não mais do que duas ou três garfadas. Guilhermos nos apontou alguns equívocos, foi até a cozinha, foi ter com o chef, ajustou muita coisa, sabe? Ele está sempre aqui e… a carta de vinhos é de autoria dele.
— É?! - nós três, espantados, reagimos juntos.
— Sim! Guilherme Boisson é um dos maiores conhecedores da vitivinicultura portuguesa… com licença.
Lembrei-me da atuação dele, na semana passada, durante jantar comigo e com Gustavo Villani.
É um monstro, um portento, um fenômeno, o Boisson.
Voltarei, é óbvio, a ele.
DICAS DA LOTERIA POPULAR
Um leitor - mais de um, na verdade - pediu que eu fizesse uma espécie de lista de sonhos com a indicação dos bichos correspondentes para as apostas. Ora, ora, ora, você que me lê.
O jogo do bicho não é jogo de azar.
O jogo do bicho é ciência.
O que costumo dizer, sempre, é: o apontador do jogo do bicho é uma espécie de psicanalista do povo.
Um Freud sem divã.
Sonhou com a queda de um avião?, por exemplo.
Vá ao ponto.
Conte seu sonho para o apontador.
E deixe que ele fará a interpretação devida.
Se você for freguês, então, ainda melhor.
Se ele te conhecer minimamente, se souber dos seus hábitos, pode fazer mágica com seu sonho.
Não duvide nunca da capacidade análitica e interpretativa de um apontador do jogo do bicho.
Boa sorte!
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, muito por conta da festa que tomou conta do Rio de Janeiro (de grande parte do Brasil, por que não dizer?!) na quarta-feira passada, quando o Vasco da Gama livrou-se do rebaixamento, o texto A turma é boa, é mesmo da fuzarca, publicado em 09 de junho de 2011, aqui.
“Eu sou um sujeito que, ultrapassada a linha dos 42 anos e mexido demais com os desenhos que vêm sendo feitos sobre meu tecido de vida, ando cada vez mais emocionado, despudoradamente emocionado, constrangedoramente emocionado. Ontem, quarta-feira, o Rio de Janeiro vivia um estado de tensão visível por conta dos olhares e gestos dos torcedores do Vasco da Gama, que enfrentaria, à noite, o pernóstico e pedante Coritiba na final da Copa do Brasil. Uma geração de pequenos vascaínos cansados de tanta decepção, a velha-guarda escolada no vivenciar do que parecia ser uma sina interminável de fiascos, e fui trocando, ao longo do dia, telefonemas com diversos amigos torcedores do Vasco aos quais eu prometia aguda solidariedade durante a partida.
Havia prometido, ainda, a meu pai e a meu irmão, que eu assistiria à partida vestido com a camisa do Vasco – o que por muitos, dotados de uma mesquinhez que eu não conheço, foi encarado como uma traição ou algo assim. Eu, Flamengo convertido aos 5 anos de idade (sou o primogênito de um vascaíno filho de um vascaíno), que já me declarara a meu irmão em determinada ocasião – “por você sou vascaíno” – iria, sim, vestir o manto cruzmaltino em nome deles, Isaac e Fernando, em nome de meu avô Oizer, em nome de um de meus orixás vivos, Aldir Blanc, em nome de minha comadre Mariana Blanc, em nome de minha afilhada, Milena, em nome de Pedro e Joana, netos gêmeos do bardo da Muda, em nome de meu parceiro Cesinha Tartaglia, em nome de Bruno Quintella, em nome do seu Jorge, português boa-praça do bar do Marreco, em nome de todos os vascaínos que me cercam e que têm, cada um a seu modo, lugar no meu cada vez mais combalido coração, hoje renovado de esperanças… que a vida não é de brincadeira, como aprendi com Vinícius.
Às seis da tarde marquei de beber a abrideira com meu querido Luiz Antonio Simas, alvinegro, no Bode Cheiroso, portentoso botequim tijucano na General Canabarro. E às seis chegou-se o Simas vestido como o mais autêntico português: de bermuda, camiseta, meias e chinelo. Erguemos um brinde, ali, à vitória do Vasco. A fim de dar contornos históricos à sua opção de torcer pelo Vasco o Simas deu-me uma aula sobre a escrotidão da história do Coritiba, que negando a grafia Curitiba pretendia apenas ser elite – o que me enoja. Ficamos ali bebendo, na calçada, e eu comecei – confesso – a entrar no espírito da partida.
Um bando de loucas vascaínas, comandadas pela Marta, dona do pedaço, deu de encher bolas de gás vermelhas – é a cor da cruz-de-malta – e a distribuir apitos entre os presentes. O bar, que normalmente fecha cedo, estava em noite de gala. E noite de gala pra turma da fuzarca é sinônimo de cafonice, o que me comove sobremaneira. Fiquei ali diante delas achando graça no movimento. Diante do balcão, aquela coleção de homens que não valem nada, componentes fundamentais em qualquer bar que se preze.
Vinham chegando, aos montes, os vascaínos. Ríamos muito, eu e Simas. Chinelo de dedo, bermuda verde-limão, camisa do Vasco e uma touca amarela – um deles. Meião do Vasco, sandálias Havaianas, um short cor-de-rosa e a camisa do Vasco – outro deles. Um jagunço que bebia na área veio me cumprimentar – “Boa noite, doutor delegado!” – e era meu terno e gravata me dando uma aura de autoridade. Ali só havia a ralé que me emociona, os desalmados, os desgraçados, os escriturários, tarados, loucos e sanguinários (apud Aldir Blanc) que bebiam seu tragos a fim de acalmar o coração cravado na colina.
E penduraram bandeiras, e trataram de ajeitar guirlandas horrorosas de bolas vermelhas nas paredes azuis e brancas, e chegou-se a nós o Vidal, tricolor (talvez o único que eu respeite), derrubamos mais algumas casco-escuro e era hora de ir embora.
Do outro lado da cidade, em Laranjeiras, na Praça São Salvador, me aguardava meu irmão, Fernando, e dois de seus amigos, amigos meus por tabela, Mauro e Milton – três vascaínos de escol.
Simas tratou de ir pra casa e Vidal me acompanhou. Passei em casa, bebemos umas doses de Red Label – remédio fundamental em determinadas ocasiões – troquei de roupa e tomei a direção da São Salvador. Fernando tinha consigo a camisa que eu usaria a fim de que eu pudesse honrar o prometido e realizar um sonho de meu pai: ver seus dois filhos mais velhos vestidos com a camisa do seu Vasco. E assim foi.
Ainda de pé, diante de um bar lotado, vesti a camisa do Vasco.
Foi um tremendo jogo. Emocionante. Desses de causar sístoles e diástoles em pedra. Eu, na confortável posição de espectador (torcendo!, torcendo!) sem o envolvimento passional que só o torcedor nativo tem, agitei a turma da fuzarca que assistia ao jogo no pedaço. Neguinho roendo unha, fechando os olhos, chorando olhando pro chão e eu, cheio de uísque e cerveja, puxava:
– Cadê o ânimo, seus putos! Casaca! Casaca! Casaca-saca-saca!
E vinha o côro.
Disse impropérios em direção a uma loura desequilibrada que comemorou com palmas e gritos histéricos o terceiro gol do Coritiba no bar ao lado. Parti pra cima de três sujeitos que deram de ofender o Flamengo com a bola ainda rolando:
– Esqueçam o Flamengo! Eu sou Flamengo, seus filhos da puta! Concentração no jogo, porra!
E eles me olharam com olhos vazados de luz e respeito.
Chamei por meu avô Oizer quando faltavam menos de cinco minutos pro apito final e virei, num só gole, um copo americano de conhaque que pedi pra amainar o coração acelerado.
Não me deixaram sequer pagar a conta:
– Pelos serviços prestados! – disse-me o Mauro.
A turma, meus poucos mas fiéis leitores, é boa. É mesmo da fuzarca.
Parabéns, franca e sinceramente, a todos os vascaínos que me lêem.
Até.”
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
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A casa agradece.
UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, a playlist que montei, hoje, no Spotify.
Ela será permanentemente incrementada a fim de que seja mais bonita a vivência do luto e da dor das perdas.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e, repito, está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
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