Quero lhes contar, hoje, como forma de homenagear minha querida e saudosa amiga Beth Carvalho, sobre o dia 18 de janeiro de 2007, quando os acontecimentos ao longo dia tomaram proporções bíblicas de tanta emoção e, conseqüentemente, viraram lenda por conta de tanta beleza.
É que hoje, primeiro de maio, faz dois anos que a maior-de-todas foi enterrada depois de um gurufim inesquecível na sede do Botafogo, seu clube do coração. Num Primeiro de Maio, assim maiúsculo, como maiúscula foi sua atuação política ao longo de toda a vida.
Vamos a 2007.
Às oito da manhã eu chego na Assembleia Legislativa, no Centro do Rio, para encontrar a Beth, como combinamos na véspera. Eis aí o primeiro milagre. A Beth não levanta, nunca, antes das duas da tarde. Mas lá estava ela, de pé, como eu, às oito, para a cerimônia da entrega da medalha Tiradentes ao presidente venezuelano, Hugo Chavez.
O que aconteceu? A cerimônia foi transferida para o dia seguinte – sexta-feira – e vimo-nos, os dois, juntamente com dois grandes praças – Beto Almeida e Mário Augusto – sem saber o que fazer.
Só que o Rio, meus poucos mas fiéis leitores, é uma cidade mágica e muito mais bonita do que a cidade mostrada nos jornais. Eu disse à Beth:
- Vamos à Folha Seca? Quero que você conheça a livraria do meu coração, a mais carioca de todas, quero que você conheça o Rodrigo, a Dani, o chef Santos… Vamos?
Nem titubeio houve. Fomos.
Preciso dizer, em nome da precisão que me caracteriza, que eu estava a caráter: terno, gravata, pasta, muito a fazer e muitos compromissos.
Mas a minha cidade, onde fico à vontade como em nenhum outro lugar, é capaz de nos encorajar para o ócio, para o prazer puro e simples, para esse fundamental gesto de jogar pra escanteio, sem culpa, o terno, a gravata, a pasta, o muito a fazer e os compromissos.
Chegamos à livraria, caminhando, às dez em ponto, justamente no horário em que a Folha Seca abre. E eis aí outra característica nossa, carioca, outra marca que nos identifica. Foi a Beth entrar na livraria, passar os olhos pelas prateleiras, sentar à mesa e dizer:
– Que livraria!!!!!
Ali, naquele exato instante, eu tive uma certeza inabalável: eu não trabalharia.
Diante dessa certeza não me restou outra alternativa: afrouxei o nó da gravata e mandei vir a primeira garrafa casco escuro.
Éramos, àquela altura, pouco antes das onze da manhã, cinco seres humanos felizes dentro da livraria… Eu, Beth Carvalho, Beto Almeida, Rodrigo Ferrari e o Bruno.
Até que o Rodrigo mandou a nota:
– Vamos ao Casual antes que lote!
Saímos da loja e a Beth, picada pela carioquice febril que tem na Folha Seca o habitat ideal para agudíssima proliferação, disse:
– Quero jogar no bicho!
Eu emendei:
– Joga no 37, número da Folha Seca, rua do Ouvidor 37!
O apontador:
– Escolhe uma milhar, madrinha!
A Beth é, como se sabe, madrinha de todos nós.
E ela, de voleio:
– 5137!
Fez o jogo. Cercou pelos 12, inverteu milhar e centena, cravou no coelho, mandou um duque de dezena, pagou os trinta reais e partimos pro Casual, do chef Santos.
E quem chegou?
Quem chegou?
Ele, o portento, o talento, o genial, Tiago Prata! Beth fez festa, Rodrigo fez festa, eu fiz festa, e já sentados à mesa do Casual fomos de chope, alheiras, bolinhos de bacalhau, costelinhas assadas, batatas ao murro, cantamos sambas de enredo, choramos – sim, meu pai, choramos todos diante da beleza – e depois de pagarmos a conta decidimos, para o bem de todos e felicidade geral da nação, voltar para a livraria.
Voltamos, disfarçamos todos tomando um café expresso e o Digão cochichava ao meu ouvido:
– Que noite ontem, que dia hoje!
Pausa esclarecedora: na véspera, quarta-feira, entrevistamos o João Bosco. Eu, ele, Simas e Leo Boechat. Foi, devo confessar, emocionante. Encontramos o João numa tarde/noite inspirada, num buteco pé-sujo na Marquês de São Vicente, na Gávea, derrubamos uma garrafa de Red Label, bebemos quase um engradado de cerveja, e o resultado foi surpreendente!
São quase três da tarde e o apontador de bicho invade a livraria:
– Dona Beth! Dona Beth! A senhora ganhou 300 reais! Por um número… Se desse 5137 ao invés de 6137 a senhora levaria mais de dois mil!
Vão tomando nota dos fatos da tarde. Tudo soa à mentira. Tudo tem cores de lenda. Tudo parece inventado. Mas não, meus poucos mas fiéis leitores, não. Definitivamente, não. O Rio de Janeiro tem essa capacidade. O Rio de Janeiro tem essa impressionante capacidade de surpreender a gente, e aquela esquina, aquele trecho do velho centro do Rio tem essa mania apaixonante de produzir mágica atrás de mágica.
A Beth foi, na hora, receber seu prêmio.
E a rua do Ouvidor foi um só alarido! Ela pousou para um sem fim de fotografias, deu incontáveis autógrafos, e eu mesmo respondi à hilária pergunta de um passante:
– Perdão. Essa aí é a Beth Carvalho de verdade?
Quando já dávamos o dia/tarde por encerrado quem chega?
Quem? Moacyr Luz e Dorina.
Há mais festa no interior da livraria.
Môa toca e canta. Beth canta e chora. Eu choro. Dorina canta. E o Rodrigo prossegue, guinchando baixinho:
– Que noite ontem! Que dia hoje!
Moacyr, Dorina e Beth batem em retirada por volta das sete e meia da noite. Vão em direção à Gamboa. Eu recuso o convite e fico. Eu fico e fecho a loja com o Digão às oito, depois de dez horas seguidas de batente.
Eu pensei – juro! – à certa altura, que eu estava de fato delirando… que eu abrira um livro qualquer, numa qualquer prateleira daquela portentosa livraria, e entrara, literalmente, dentro de um enredo encantado, para viver, de verdade, uma das mais bonitas histórias já escritas.
Até.
TIJUCANISMOS
Uma das alegrias que me proporcionou meu livro que está sendo lançado pela Mórula, a editora do meu coração, é que o prefácio foi escrito pela única filha da Beth, Luana Carvalho. Foi escrito, lendo foi inevitável a certeza, com o coração - e me comoveu brutalmente.
Você pode comprar Tijucanismos aqui.
O livro segue até você carregado com o axé desse pedaço da cidade. Um tanto alquebrada, a Tijuca - dizem os detratores. Mas verdadeira. Única. Cheia de um borogodó que só quem é daqui conhece.
Até.
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