A cena abaixo - dois noivos cercados por seus pais - deu-se na Urca, no suntuoso prédio da Reitoria da UFRJ, há exatos 53 anos, no dia 22 de maio de 1968. Cena comuníssima, não fosse pelo fato de que estão, na foto (da esquerda pra direita), de autoria do legendário Aszmann, Milton, Mathilde, Mariazinha, Isaac, Elisa e Oizer Goldenberg. Sim, meus avós maternos, meus pais e meus avós paternos. Meus pais vivos e quatro fantasmas que ainda giram em volta de mim, 53 anos depois.
Eu chegaria ao mundo quase onze meses depois, em 27 de abril de 1969.
E 53 anos depois, eu completando 52, acabo de lançar Tijucanismos pela Mórula, a editora do meu coração, com capa e ilustrações de Humberto Hermeto, prefácio de Luana Carvalho e apresentações de Luiz Antonio Simas e Juliana Monteiro.
Tijucanismos, muitos têm me perguntado, não é (e é) exatamente sobre a Tijuca. Mas o livro é todo Tijuca, da capa à contracapa. Milton, Mathilde, Mariazinha, Isaac, Elisa e Oizer (a quem dedico Mazal tov, que fecha o livro) estão lá, e estarão com cada um de vocês, com seus alaridos, seus vícios, suas manias, seus modus operandi que são, eis a verdade inabalável, os modus operandi de todos os que cercam vocês - e falo isso sem medo do erro.
Você pode comprar Tijucanismos aqui e eu vou adorar receber (como já tenho recebido, e tem sido uma festa) suas impressões. Você encontra meios de entrar em contato comigo no final dessa newsletter.
Sobre a foto, notem: vovô, alto funcionário do DNER (o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), órgão que viveu seus anos de ouro durante a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, tem leve sorriso entre os lábios, abaixo do bigode que manteve até morrer. Lembro-me de uma única vez ter visto meu avô sem o bigode e fiquei, a lembrança é muito viva, com muito medo (ele me pareceu, o que eu viria a saber mais tarde, um cadáver - vovô era muito branco e o bigode dava alguma vida ao seu rosto triste). A seu lado, vovó Mathilde exibindo todos os seus dentes, o cabelo armado, numa alegria esfuziante que a acompanhou até a morte, em dezembro de 2010. Pausa: quando vovô morreu, em março de 2002, quase nove antes de vovó, as amigas de dona Mathilde foram fatais ainda no velório, cochichando alto a ponto de eu ouvir:
— Não dura dois meses, a Tidoca. Sem o Milton? Duvido.
Outra, mais maldosa:
— Acho que não chega viva à missa de sétimo dia do Milton. Dependia demais dele, coitada.
Pois vovó, que ficou com polpudíssima pensão deixada por meu avô (ela não fazia idéia do quanto ganhava o marido), paga regiamente pelo Ministério dos Transportes, viveu até dezembro de 2010 muitíssimo bem, obrigado. E vivia à larga. Meu pai, que ficou responsável pela administração das contas de minha avó, ficava impressionado, mês a mês:
— Dona Mathilde não guarda um centavo! Ganha uma fortuna e gasta tudo, tudíssimo, é uma pródiga, uma perdulária!
Vovó, espírita fanática, dizia com o mesmo sorriso de 1968 no rosto:
— Quando eu chegar do lado de lá (e fazia o gesto, com a mão, apontando para o alto), meu filho, não vou levar nada. Eu quero é rosetar!
Comprava presentes para os três netos, pagava faustos almoços para as amigas do salão da Zizi, que freqüentou por mais de 60 anos, apostava alto no pôquer que jogava no Méier (era a caçula da mesa), enfim, viveu em festa por quase dez anos sem vovô. Sigo analisando a foto. Abro, para isso, novo capítulo.
ELISA E OIZER
Ao lado de meu pai (deixo de tecer comentários sobre os noivos que, graças aos deuses, ainda estão vivos), Elisa e Oizer - meus avós paternos.
Percebam o olhar com que vovó fulmina mamãe. A perfeita tradução da idish mama inconformada com o casamento do filho mais novo com uma não-judia. Bem mais alta que vovó Mathilde, mais alta que a nora, está com a espinha ereta, posando, um risinho irônico que não mostra os dentes (acho que nunca vi os dentes de minha avó Elisa) mas que evidencia toda a alegria que aquele momento traz.
E por fim, vovô Oizer (era um homem lindíssimo, meu avô). Terno riscado, os cabelos cuidadosamente penteados, os olhos azuis que a fotografia não exibe, o olhar fixado na bebida servida nas taças (exatamente como o olhar de meu avô Milton). Eles cuidam da bebida. Vovó Mathilde (levei anos para perceber isso) está olhando fixamente para vovó Elisa que, por sua vez - repito - não esconde sua alegria com o momento (mirando a nora).
Que momento, senhoras e senhores.
NASCE UMA LIVRARIA DE RUA
Inaugura hoje, sábado, 22 de maio, às 10h, a Livraria Casa da Árvore, na Tijuca, mais precisamente na rua Almirante Gavião 6, loja C.
Pensem num lugar que mais vai parecer o céu no chão: de um lado, no número 11, o Bar Madrid. E atravessando a rua, no número 6, uma livraria!
E uma livraria de rua, não uma livraria gigantesca dentro de um shopping qualquer.
Uma livraria pequena, aconchegante, pé direito baixo, com um livreiro pronto pra trocar uma idéia com você que chega, pra indicar um livro, pra beber contigo uma cerveja ou um maracujá comprado do outro lado da rua.
Tijucanismos - e diversos outros títulos lançados pela Mórula - está à venda na Casa da Árvore.
É, de fato, uma notícia auspiciosa em tempos tão difíceis.
Prestigiem as pequenas livrarias.
Resistam à tentação dos descontos covardes praticados pela gigantes do mercado que quebram, impiedosamente, pequenas editoras e livrarias como a Casa da Árvore.
Se você estiver pela Tijuca, se for à Tijuca, se passar pela Tijuca, aceite a dica que te dou: beba um maracujá no Bar Madrid, cumprimente Getúlio Vargas e Leonel Brizola, que estão vivos nas paredes do bar, e atravesse a rua em direção à livraria.
A cidade agradece.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
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