Um dos bares mais bacanas da cidade - o Almara - fechou as portas porque seu dono nunca mais vai poder abri-las: ele (Paulo) e a mulher foram vítimas da COVID-19, vítimas também do genocida que ocupa o Planalto desde janeiro de 2019. A foto abaixo, a que ilustra o texto de hoje, é de junho de 2011, há 10 anos portanto, e foi tirada por mim mesmo, como quase todas as fotos que publico na newsletter, de pé, diante do balcão de Andrajópolis, como carinhosamente chamávamos, nós que tivemos a graça de conhecer o botequim, o Almara.
Não apenas os preços eram infinitamente mais baixos naquele tempo: éramos infinitamente mais felizes, o Brasil era infinitamente mais respeitado, Paulo era infinitamente mais vivo.
O Almara ficava na rua Barão de Iguatemi, quase na esquina com a rua do Matoso (pausa: escrevi sobre a rua do Matoso na coletânea O meu lugar, lançada pela Mórula - o livro pode ser comprado aqui).
Há ao menos uma história passada em Almara que eu gostaria de contar aqui. Eu, que morava (e ainda moro) relativamente próximo ao bar, assim que o conheci passei a freqüentá-lo com assiduidade franciscana: parava lá quase todos os dias para ao menos uma cerveja, sempre sozinho, voltando do trabalho (de terno).
E fazia o que adoro fazer até hoje (ou até quando a pandemia permitiu): encostava no balcão, pedia minha cerveja, e ficava em absoluto silêncio vendo e ouvindo a assistência conversar, jogar conversa fora, contando mentiras pra poder suportar (apud Aldir Blanc). Jamais troquei palavra com quem quer fosse. Até mesmo com o Paulo, que sempre me servia, nunca fui além do boa noite e do obrigado.
Até que veio um sábado, precisei ir ao supermercado, encostei lá na volta - e dessa vez, claro, sem terno: bermuda, camisa de malha, chinelo. E além de sem terno, de carro (porque voltando do trabalho, de ônibus, não precisava dele). No carro, um adesivo do Brizola no vidro traseiro (mandei fazer, à certa altura, um adesivo que ficou marcado, da campanha de 1989, vermelho com o nome em branco).
Pela primeira vez um de seus freqüentadores mais assíduos levantou-se e veio na minha direção (era o Gilberto, eu o manjava desde sempre).
— Bom dia. O doutor gosta muito daqui, né?
— Não me chame de doutor. Bom dia.
— É doutor, sim. Sempre de terno.
— Ossos do ofício.
— O doutor sabe que isso aqui é da gente, né? - e olhou pras mesas do lado de dentro do bar, quase todas ocupadas.
Não esperava por aquilo.
— Da gente quem?
— Da gente que vive na rua, que mora na rua…
Fiquei em silêncio, dei um gole. Ele continuou, apontando pro meu carro:
— O doutor gostava do Brizola, é?
Eu ia dizer que sim mas ele nem me deixou responder, emendou:
— Eu trabalhei pra ele. Eu dirigia um dos caminhões que distribuíam leite pros CIEPs.
O filme abaixo, um dos que gravei pro canal Botecos do Edu, é todo ele passado na rua do Matoso - e também em Almara. Comigo está Leo Boechat, meu fiel escudeiro em quase todos os episódios. Visitamos o Rex, onde se serve o melhor galeto da cidade (quem diz nem sou eu, é Julio Bernardo!), Almara, o Bar da Bala e a Quitanda Abronhense.
É um dos meus episódios preferidos: melancólico, como melancólica é a rua do Matoso, que nasce na Mariz e Barros, atravessa a Haddock Lobo (onde toda confusão começou) e vai morrer na Barão de Itapagipe.
O canal Botecos do Edu fica aqui.
TIJUCANISMOS
Recebi, no meio dessa semana que termina, a notícia de que a primeira impressão de Tijucanismos esgotou - uma surpresa, confesso. A rapaziada da Casa da Árvore, a livraria recém-inaugurada na Tijuca me avisou, ontem, que o livro é o mais vendido desde a inauguração, há poucas semanas. Uma alegria só. Tijucanismos, se você ainda não sabe, é meu mais recente livro e acaba de ser lançado pela Mórula, a editora do meu coração, com capa e ilustrações de Humberto Hermeto, prefácio de Luana Carvalho e apresentações de Luiz Antonio Simas e Juliana Monteiro.
Você pode comprar Tijucanismos aqui.
E hoje, sábado, 05 de junho, vou conversar com Júlio Bernardo, com quem escrevi De hoje não passa (também pela Mórula) - aqui - às 21h.
Até.
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