Dia desses, um domingo, fui encontrar um querido amigo num botequim logo cedo. O pretexto é que um outro amigo, que mora fora do Brasil e que estava de passagem pelo Rio, havia me pedido quase que em tom de súplica:
— Me apresenta o Fulano!
E eu, um sujeito que gosta de criar pontes, de juntar gente, não me fiz de rogado (notem que estou a falar de duas figuras públicas). Saquei o celular e disquei (estou velho como múmia hoje):
— Fulano! Como vai? Sabe o Beltrano?
O Fulano sabia. Foi efusivo:
— Claro!
E eu:
— Me pediu pra agitar contigo um negocinho no domingo pela manhã… vamos?
— Dez horas?
— Perfeito.
Ele determinou o local e lá estávamos, os três (não, os quatro, o Fulano estava acompanhado da mulher), às dez em ponto.
À certa altura da conversa, disse o Beltrano:
— Daqui eu vou encontrar um amigo na Feira da Glória. Dormi em sua casa, em Santa Teresa, vim pra cá e torno a encontrá-lo daqui a pouco.
— Santa Teresa?! - exclamou o Fulano.
E riu.
Olhou-me, sabendo o que penso de Santa Teresa, e rimos os dois.
Meu fraterno amigo internacional franziu a testa sem entender do que ríamos. Fui direto e didático:
— Detesto Santa Teresa. Ou Santa, que é como quem mora lá chama o peculiar bairro.
Foi daí que o Fulano começou sua reflexão, fruto de experiência própria.
Contou que decidiu morar, em determinado momento da vida, em Santa Teresa. Alugou uma casa (relativamente barata) precisando de alguns reparos e logo nos primeiros dias decidiu empreender rápido tour pela vizinhança a fim de ambientar-se.
Foi até a um bar bem em frente à sua casa, encostou-se no balcão, pediu uma cerveja, serviu-se, e deu de puxar papo com o sujeito (que pareceu ser o dono) que o servira:
— Tudo bem, meu chapa? Mudei-me há pouco pra cá… - apontou pra casa que alugara e foi cortado.
— Você trabalha com o quê?
— Sou músico.
— Ah, bom! Aqui em Santa prezamos os artistas.
Fulano custou a entender aquilo e seguiu:
— O senhor sabe onde consigo um bombeiro e um eletricista por aqui?
— Bombeiro? Eletricista? Não tem isso aqui, não. Tem que descer pra procurar…
— Casa de ferragens por perto… tem?
— Casa de ferragens? Em Santa? - e gargalhou.
Em apertada síntese… meu querido amigo, já longe de Santa Teresa há alguns anos, disse ter ficado impressionado com o modus vivendi do bairro, com as peculiaridades do bairro.
Ele morou lá por 3 ou 4 anos (acho que 4) e disse enfático, inflamado, quase que em tom de comício, enquanto Beltrano gargalhava à mesa:
— Nunca encontrei um único contínuo em Santa Teresa. Um bancário. Um advogado, que fosse. Só gente ligada às atividades circenses, artistas, estudantes de Letras, artesãos, um troço impressionante.
Santa Teresa é, de fato, um bairro diferente - pra ser gentil.
O CASO DO TAXISTA
História real que bem ilustra o quão querido é o bairro de Santa Teresa - e que me foi contada pelo motorista a que farei alusão.
Adolfo está rodando num final de tarde de sexta-feira, passa pelos Arcos da Lapa e, diante do Bar Brasil, esquina da Mem de Sá com Lavradio, vê um sujeito fazendo sinal afoito.
Estaca o carro diante do homem.
O homem entra.
— Boa noite, doutor. Pra onde vamos?
— Toca em frente, por favor…
Na altura da Praça da Cruz Vermelha, Adolfo sente um espetar no lado direito das costas, altura do rim, e ouve a voz seca como um dry:
— É um assalto, meu chapa. Passa a porra toda, celular, dinheiro, tudo!
Adolfo, com as mãos pro alto e olhando nos olhos do meliante pelo retrovisor:
— Pode pegar tudo, irmão. Graças a Deus. Achei que você ia dizer que estava indo pra Santa Teresa.
AMENDOEIRA
Voltemos ao Beltrano.
Estive com ele, num dos dias em que ele esteve por aqui, no Bar da Amendoeira, um clássico absoluto da cidade, jóia da zona norte da cidade, mais precisamente do bairro de Maria da Graça.
Clássico absoluto mesmo: fica numa esquina, diante de uma encruzilhada, servido pela generosa sombra de generosa amendoeira diante do bar, serve chope muitíssimo bem tirado e alguns dos tira-gostos mais incríveis: o bolinho que atende pelo nome de Feio, carne-seca com farinha, jiló, um sonho que mais parece o céu no chão.
Enquanto ficamos lá - o quê, umas duas horinhas - presenciamos cenas dignas de filme. E rimos uma barbaridade.
Antes, breve digressão.
Há muitos anos, logo depois de conhecer Aldir, lembro de ter perguntado a ele de onde ele tirava tanta história boa, pras crônicas e pras letras (que eram crônicas!). Ele, de voleio:
— Tá tudo à sua volta, Edu! Se você for a um bar, ancorar no balcão, beber quieto, na sua, vendo e ouvindo a assistência, você vai ver que tá tudo ali, pronto, na sua frente.
E de fato é isso (aliás, muito por conta disso passei a ser um aficionado pelo exercício do silêncio e da atenção em um balcão de botequim).
Nessa tarde, no Amendoeira, vimos de tudo: dois aposentados (eram, visivelmente, aposentados) dividindo uma mesa sobre a qual um MacBook aberto acompanhava o índice da Bolsa de Valores.
Até que ouvi a seguinte conversa:
— O senhor me dá licença… tô tomando meu Pau Pereira ali no balcão e tô vendo que o senhor tá acompanhando a Bolsa de Valores… pode me dizer como estão as ações da Petrobras?
Os dois que estavam à mesa explodiram de rir.
E um deles disse (o que estava diante da tela):
— E eu sei? A gente fica aqui [apontando pro amigo diante de si] apostando coisas absolutamente aleatórias envolvendo os números que vão aparecendo aqui, ó! - e apontou pra telinha.
Noutra mesa, um casal de meia-idade.
Ele já bem calibrado.
Ela nem tanto.
Até que ela pede à garçonete:
— Amor, traz dois Feios e um Martini com gelo?
Quando os Feios chegaram - eu vi, eu vi! - ela pôs as mãos sobre as mãos do companheiro e disse em alto volume:
— Walter… esse bolinho é feito você. Feio mas gostoso demais!
O salão explodiu.
Ficamos ali, bebendo chope e sorvendo aquelas histórias, o subúrbio carioca em estado bruto diante de nós, o cobogó, os homens e as mulheres, até que anoiteceu e tomamos o rumo da Tijuca - que é suburbana também.
BAR DO MOMO
O Bar do Momo, glorioso bar na rua Espírito Santo Cardoso - na Tijuca, onde mais? - completou 50 anos na última quinta-feira e recebeu a disputada placa azul que a Prefeitura da Cidade outorga aos bares mais significativos e mais importantes do Rio.
Foi emocionante estar lá ao lado da família que toca aquilo com tanto denodo - Tonhão, Gloria, Toninho e Lorena - e pisando naquele chão que se tornou sagrado pois ali beberam, durante anos, personagens legendários da cidade: Ceceu Rico, Maneca, Paulo Amarelo, Aldir Blanc e outras figuras de escol.
E também ao lado do Moacyr Luz e do Gabriel da Muda, dois caras que são muito responsáveis pela projeção que o Bar do Momo ganhou ao longo desses últimos anos.
A iniciativa foi da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, do prefeito Eduardo Paes e do Felipe Quintans, nosso Felipinho (do Bar Madrid), responsável por cuidar da preservação e da memória desses ícones da cidade do Rio de Janeiro, ao lado do IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade).
MEMORABILIA
Dia desses recebi algumas surpresas por WhatsApp, enviadas por Mary Blanc, a companheira de vida do meu querido e saudoso Aldir Blanc - saudade que, diga-se, não passa.
Uma delas divido com vocês aqui.
O ano é 1996 - estávamos em São Paulo porque Aldir fora gravar o Programa do Jô, ainda no SBT.
Depois da gravação do programa fomos todos pro Bar do Alemão - que tá vivo ainda lá.
Na foto, Clarisse (que gravou um CD só com canções de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc) - que à época assinava Clarisse Grova -, Aldir e eu.
Mil novecentos e noventa e seis.
Lá se vão 26 anos.
É nela - na saudade - que tudo que amei sobrevive, como me ensinou Blanc.
NOI
A newsletter segue com a parceria com a Noi, a mais carioca das cervejas - a despeito de ter nascido em Niterói.
Você pode fazer seu pedido de delivery aqui e, na hora de fechar, usar seu cupom de desconto BUTECODOEDU
Usem e abusem que o desconto é de 10% e o chope e a cerveja são demais.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
Dúvidas, sugestões, críticas? É só responder esse e-mail ou escrever para edugoldenberg@gmail.com
📩 Se você gostou do que viu aqui e ainda não assina a newsletter, inscreva-se no botão abaixo e receba por e-mail, uma vez por semana, sempre aos sábados, o Buteco do Edu. E se você achar que algum amigo ou alguma amiga pode se interessar pelo papo de botequim, encaminhe esse e-mail, essa newsletter, faça correr mundo esse balcão virtual.