Estive em São Paulo na semana retrasada, coisa que tenho feito com alguma freqüência desde que me separei - lhes contei, não? Sei que contei. Mas aproveito para repetir o mantra que faz sucesso entre quem me lê (eu sei que faz porque muitos de vocês me disseram que sim!).
Da primeira mulher, me separei. Ela está viva mas morreu.
Da segunda mulher, também me separei. Mas foi a morte que nos separou. Ela morreu mas está viva.
Da terceira mulher, como da primeira, também me separei. Só que essa está viva, vivíssima, e seguirá vivíssima para sempre.
Voltemos, eu estava a lhes dizer que estive em São Paulo.
Lá encontrei-me com muita gente mas quero, hoje, lançar luzes especialmente sobre uma amiga que eu não via há anos, há muitos anos, a Bia.
Pequena curiosidade para alimentar o imaginário de vocês que me lêem: Bia é amiga dos tempos do primeiro casamento, testemunha ocular dos fatos e das razões que me fazem afirmar, sem medo do erro, que ela - a primeira mulher com quem me casei - está morta - se é que esteve viva em algum momento (peço perdão pelo excesso de franqueza).
Pedi um Gin Tônica e ela quis água.
A convenci de pedir um drink.
Foi uma senhora conversa. Tínhamos pouco tempo - o quê?, duas horas e olhe lá! - mas usamos a sabedoria acumulada para usá-lo bem.
Despedimo-nos e apitou o celular.
Eis sua mensagem na íntegra (e como sou obsessivo, com o mesmo número de exclamações e com as maiúsculas onde havia maiúsculas em sua mensagem).
“Adorei!!!!! Você me surpreende! Não se esqueça, SEMPRE que vier a Sampa, sair e papear. O Negroni me relaxou, vou adotar os alcoólicos.”
Isso para lhes contar que, em pouco menos de duas horas de conversa, passei minha vida em revista. E se tem coisa que minha vida não é, meus poucos mas fiéis leitores, é modorrenta. De tédio, como se diz, eu não morro.
E convenhamos: é sempre bom surpreender as pessoas. Sempre.
E quando você é capaz de se surpreender, de surpreender a si mesmo!, aí a coisa ganha ares de quase um milagre.
Recomendo muito.
Voltarei ao tema.
A OPÇÃO PELA MEDIOCRIDADE
Dia desses encontrei um amigo a quem não encontrava há meses, há muitos meses - eu diria que há quase um ano, mas tenho medo do exagero.
Demos de expor a vida um ao outro.
Em menos de cinco minutos estávamos - ambos curiosos com a vida alheia - ancorados no balcão do botequim mais próximo.
Importante dizer que a assistência fingia não prestar atenção ao que dizíamos; sem sucesso.
Fazíamos confissões inconfessáveis.
Dizíamos coisas, diria minha bisavó, do arco da velha.
Mas será o Benedito?!, eu escutava a voz de minha bisavó - minha fantasma preferida - reagindo às confissões impublicáveis de seu bisneto.
Percebi, inclusive, que todos deixaram seus celulares de lado para prestarem atenção, fixamente, no que falávamos. Era quase uma peça de teatro. Por pouco não espocaram os aplausos dos mais emocionados ou as vaias dos conservadores.
À certa altura, ele mais excitado do que eu, espetou o indicador no meu peito e foi direto:
— Você está apaixonado?
Fui mais direto do que ele:
— Tô.
E ele arfando, de joelhos, pedindo mais uma cerveja com um gesto de mãos ao garçom, disse:
— Desembucha! Por quem?
A assistência fazia ferver o frêmito coletivo.
— Por mim mesmo.
Minha resposta, franquíssima, de certo modo frustrou o amigo a que aludi - e de certo modo, também, o público.
Fato é que estou assim, apaixonadíssimo por mim mesmo.
E tendo estado assim, em boa parte do tempo sozinho, foi que ouvi uma história (contada por um outro amigo) envolvendo um conhecido nosso que é, por tudo, tristíssima.
Foi o próprio que me pediu:
— Conta na newsletter!
Eis-me aqui, vassalo dos meus leitores, atendendo a seu apelo.
Apaixonou-se avassaladoramente, o sujeito a que me refiro.
Casado. Com filhos. Infelicíssimo no casamento que já se arrastava há quase uma década. Fazia, o infeliz, queixas gravíssimas contra a esposa. Não gostava de nada, a pobre diaba. Nem de mim, ele gemia pelas ruas de Copacabana, onde morava. Nem de mim, repetia como um zumbi.
Desde o dia em que percebeu que estava apaixonado, o relato é dos amigos mais próximos, passou a ter nos olhos um brilho que jamais o havia enfeitado. E foi nutrindo pelo alvo de sua paixão uma espécie de fascínio, de idolatria, e mesmo de fanatismo.
Os encontros subversivos, que antes aconteciam uma, duas vezes por semana, passaram a ser diários.
O pudor foi escapando das mãos dos amantes: beijavam-se nas ruas, nos táxis, nos restaurantes (iam muito a restaurantes), nos shoppings, em todos os cantos da cidade. O risco era sempre iminente, o que dava cores de tragédia ainda maior para o romance inédito.
Até que um dia (a história também me foi contada diante do balcão de um bar e nesse dia, juro!, um cidadão que bebia conhaque como quem bebe água chorou sofregamente ouvindo a tragédia) deu-se a bulha.
Os amantes estavam comendo bolinho de bacalhau em um botequim na zona norte da cidade (Tijuca ou Grajaú, não tenho certeza, disse o noticiante) quando chega a esposa do pai de família.
Arrastou, à força, o marido pra fora do estabelecimento.
Antes, fez questão de pagar a conta:
— Despesa do meu homem é por minha conta! - gritou a histérica para assombro de todos.
O que se seguiu, eis o mistério que assolava a mente do meu amigo até aquele instante (e até hoje, chequei há pouco), ninguém sabe.
Sabe-se, apenas, que quem ficou diante do balcão comendo bolinho de bacalhau em meio à solidão e ao abandono repentinos recebeu sucinta mensagem em seu celular.
Eis o teor da (curtíssima) mensagem: não me procure mais, optei pela mediocridade.
Há quem opte por morrer em vida.
O horror dos horrores.
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
UMA DICA DE NEWSLETTER
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores (são, até o momento, 2.826 assinantes desta newsletter), a newsletter do Mateus Habib - a quem não conheço pessoalmente, antes que me acusem de ser cabotino.
Mateus tem sua newsletter, Prato Feito.
Ele se apresenta: jornalista, filho de paraense com baiano. Natural no Rio de Janeiro e cria de Copacabana, vivendo e estudando em Coimbra. Escreve sobre comida, bebida e cultura por lentes decoloniais.
Eu o leio sempre, e é sempre um prazer impressionante.
Mateus escreve como quem conversa, fala à alma, e muitas vezes dei de procurar, ao longo da semana subseqüente à leitura, comer aquilo que havia sido tema de suas digressões.
Daqui, mando pra ele meu abraço transatlântico.
Colem nele, aqui.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
Dúvidas, sugestões, críticas? É só responder esse e-mail ou escrever para edugoldenberg@gmail.com
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