O ficcionista cria um personagem e esse personagem cai nas graças de quem o lê, de quem o ouve, de quem o assiste - pouco importa o meio. Os exemplos são incontáveis se nos restringirmos ao Brasil. Eu, humílimo, sem pretensão alguma, de muito tempo pra cá, dei de contar histórias 100% verídicas envolvendo meu bom e velho pai. Logo, se são verídicas as histórias que conto, não sou um ficcionista. Ou posso ser, vá lá, se quem me lê não crê na veracidade do que conto. Isso é, franca e sinceramente, o que menos importa.
Fato concreto é que vivo sendo acossado pelos leitores, pelas leitoras, ávidos e ávidas pelas histórias isaaquianas que conto, à larga, desde os tempos do antigo blog, agora na newsletter e que conto, também, no livro que acabei de lançar.
E fato ainda mais concreto é: meu pai tem fãs.
A imensa maioria não crê, num primeiro momento, na veracidade das histórias. Mas o depoimento dos amigos dos amigos - sempre tem alguém que o conhece efetivamente - afasta logo a incredulidade pra longe.
Papai, que aparece na foto abaixo no fundo da sala da Escola Nacional de Química, na Urca, a calça arregaçada deixando o tornozelo à mostra, é, como lhes conto sempre, um homem de frases feitas, de manias arraigadas, de rotina milimetricamente controlada, de hábitos estranhíssimos que fazem dele o que a bem da verdade ele é: um homem que desperta, no alheio, a mais aguda curiosidade.
É pra isso, também, que escrevo a newsletter de hoje: para matar a curiosidade daqueles que anseiam pela “última do Isaac” - dia desses ouvi isso de um passante, na rua. Ouvi apenas o grito:
— Edu! Qual a última do Isaac?
Vamos a ela. A elas, para ser preciso.
OS LANCHES DE PAPAI
Lembrei-me de lhes contar isso essa semana mesmo. Vivi a história na pele - mais uma vez - e me deu o estalo na hora: vou contar pra meus leitores! Vejam se não dá caldo.
Era café-da-manhã mas o modus operandi de meu pai é o mesmo durante o lanche (papai lancha à noitinha porque, vocês sabem, papai não janta [quem leu o livro, sabe]).
Cheguei em sua casa cedo para lá deixar o menino Leonel. Papai já estava de pé, diante da porta:
— Estou esperando a padaria!
E de fato a padaria chegou em seguida.
Mamãe tomou os pacotes de sua mão e pôs, sobre a mesa, meia-dúzia de pães franceses e uns 300 gramas de presunto. Perguntou:
— Quer um cafezinho, meu filho? O pão tá fresquinho…
Assenti.
Pronto.
Papai postou-se ao meu lado como um mordomo, um maître d´hôtel, e antes mesmo da primeira mordida no sanduíche que mamãe fez, a frase:
— Posso tirar?
Explico.
Papai é um aflito quando se serve sorvete porque o sorvete pode derreter e virar sopa.
E é um aflito quando há frios sobre a mesa porque podem azedar - creiam.
Ele disse posso tirar? e mamãe bufou:
— Isaac, ele nem começou a comer…
A segunda mordida e percebi que ele respirou fundo, trançou os dedos, não disse nada. A terceira:
— E agora? Posso?
Eu, que me divirto com a cena, disse:
— Só um minuto.
Abri o sanduíche, passei mais uma barra de manteiga e pus mais duas fatias de presunto.
Ele gemeu.
Mamãe:
— Põe mais, meu filho. Tá fresquinho, o presunto.
Pus.
Ele:
— Eduardo… posso tirar? - e ele já estava ajeitando as fatias dentro de um potinho a vácuo quando mamãe entrou em cena.
— Leonel, quer um pedacinho de pão com presunto?
— Sim! - ele gritou.
Mamãe tomou o pote das mãos de meu pai, que grunhiu. Vi uma lágrima rolando de seu olho esquerdo - pobre Isaac - quando decidi fazer o segundo sanduíche.
Foi demais pra ele.
Dobrou os joelhos, aproximou-se de meu rosto e disse, sôfrego:
— Por favor. Posso tirar?
— Pode.
Ele guardou o pote na geladeira, retirou-se da cozinha, fiquei de papo com mamãe, Leonel brincando no chão até que ele veio à cozinha atender o interfone.
Mamãe:
— Quem é, Isaac?
— Padaria.
— Ué. De novo?
— Sim.
E chegou o entregador trazendo dois pães franceses e mais um tanto de presunto.
Mamãe fez silêncio cravando os olhos no meu velho.
E ele:
— É pra recompor o que pedi mais cedo pro lanche de mais tarde.
Eu:
— Ué, pai… mas ainda tem quatro pães e uma porção de presunto…
Gemendo, à sua moda:
— Mas eu quero os seis, eu pedi seis! Eu gosto de seis, e pedi 300 gramas, eu gosto de ter 300 gramas na geladeira sempre…
Esse, meu pai.
A OBSESSÃO METEOROLÓGICA
Uma das obsessões de meu pai é o frio. As baixas temperaturas. A neve, que nunca viu. Diz, todos os dias, nalguma altura do dia:
— Eu gosto de frio.
Tem, por isso (papai mora no Alto da Boa Vista), oito termômetros em casa - um em cada cômodo. Passa os dias checando a temperatura e quando chega essa época do ano - maio, junho, o inverno - delira.
E sabe-se lá porquê, associa viagem a frio.
Eu posso ir pra Zurique, no mais rigoroso inverno, ou pra Salvador, em janeiro, e a pergunta que ele me faz assim que chego ao destino, é a mesma:
— Muito frio por aí? - e ri de si mesmo depois da pergunta.
Isso pra mim ou pra qualquer dos meus irmãos.
Voltando aos termômetros que ele guarda em casa.
Tem, meu pai, um caderno fichário da finada Papelaria União onde anota, desde 1994 (quando mudou-se para o Alto da Boa Vista), as temperaturas de seus oito termômetros diariamente. E ele faz gráficos. Controles. Projeções. E gane, dia após dia, depois de anotar a última das temperaturas:
— Eu gosto de frio! Gosto!
Perguntar-me-á você que me lê:
— Mas seu pai gosta do inverno, do frio, porque gosta de beber um vinho, porque gosta de comer bem, gosta de se agasalhar, qual que é?
E eu direi - para assombro de todos vocês - que não.
Ele não bebe vinho.
Ele não gosta muito de comer - repete, como mantra, desde que sou pequeno, que gostaria de se alimentar ingerindo apenas uma pílula capaz de fornecer a ele todos os nutrientes.
E detesta se agasalhar.
É isso: os termômetros de seu amplo apartamento estão marcando 10, 9 graus.
E ele está sem camisa, descalço, diante de minha mãe agasalhadíssima com uma taça de conhaque nas mãos:
— Eu gosto de frio, Pixuxa.
Diante de mamãe, que depois de mais de 50 anos ignora a mesma blague de sempre, repete alto para que os vizinhos ouçam:
— Eu gosto! Gosto de frio!
Volto ao tema, inesgotável que é.
TIJUCANISMOS NAS MÃOS DO LULA
Semana retrasada tive a honra de, a convite do prefeito Eduardo Paes, comparecer ao Palácio da Cidade, em Botafogo, para acompanhá-lo durante encontro com o ex-presidente Lula, que estava já há uns dias no Rio de Janeiro. E tive a oportunidade de entregar em mãos, ao ex-presidente, um exemplar de Tijucanismos - editado pela Mórula, a editora do meu coração, com capa e ilustrações de Humberto Hermeto, prefácio de Luana Carvalho e apresentações de Luiz Antonio Simas e Juliana Monteiro.
A foto é da Beth Santos.
E você pode comprar Tijucanismos aqui.
Até.
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