Fiz um show em 1992 – há 29 anos… meus deuses! – no Mistura Fina, na Lagoa (pelo êxito que minha carreira de cantor teve, façam uma idéia do que foi o troço).
Havia lá um projeto chamado Profissional Amador: alguém com cara larga o suficiente pra encarar o palco num domingo à noite com o valor do ingresso integralmente revertido pra quem topasse o desafio.
Cantei apenas samba, e me acompanharam Renato e Alexandre Alvim, pai e filho, nos violões, e Vera Mello, amiga querida, dando uma força também, na voz. Como convidados especiais – o show era deles, afinal, pô! – Nelson Sargento e Walter Alfaiate (estão todos abaixo, na foto, comigo - eu à esquerda, Walter, Alexandre, Vera, Nelson e Renato). Convidei os dois sambistas para a empreitada no Bip Bip, em Copacabana, uns 15 dias antes - e o valor arrecadado, bom valor!, casa cheia, foi dividido entre eles.
Fim do show, Nelson Sargento (que havia me pedido permissão pra fazer isso) vendeu dez quadros de sua autoria, expostos no bar. Walter, que fez o show vestindo bermuda e camisa da Portela – sem perder a elegância suprema – passou o resto da vida, sempre que me encontrava, dizendo o seguinte:
– E aquele dia, hein?! Foi o primeiro show que fiz na vida num espaço com tapete e ar-condicionado e o primeiro em que me apresentei de bermuda! – divertia-se sempre lembrando-se disso.
Deixaram saudade, os grandes Walter Alfaiate, Renato Alvim e Nelson Sargento - morto há pouco.
E também o Mistura Fina, que foi abaixo pra dar lugar a um prédio de luxo na Borges de Medeiros.
Vivi, no Mistura - que eu freqüentava febrilmente durante o tempo em que, triste, vivi na Lagoa (entre 1994 e 1999) - histórias do arco da velha: foi lá que vi, ao lado de Aldir Blanc e João Bosco (ainda afastados), num Mistura Fina lotado, a Maria Rita cantando pela primeira vez, acompanhado um violonista chamado Chico Pinheiro, de São Paulo.
Eu estava numa mesa com Aldir, Mary e Marco Aurélio. Na platéia, Milton Nascimento, João Bosco, Leny Andrade, Ney Matogrosso, Carlinhos Lyra, uma pá de gente graúda pra ver a filha da Elis (até então era isso, a filha da Elis) cantando.
Maria Rita fazia scats pra cantar Popó, canção do Chico Pinheiro - sem letra (sua participação no show se resumia a duas ou três canções, nunca havia se apresentado no Rio, e o Mistura estava lotado para vê-la e ouvi-la).
À certa altura, do alto do palco, ela diz:
— Aldir, eu soube que você tá aqui…
Aldir, tudo escuro:
— Tô.
— Tô nervosa.
— Também tô.
— Queria que você letrasse Popó.
— Tô mais nervoso!
— Faz?
— Faço.
Dias depois, Popó estava pronta.
E lá vivi, também, uma história divertidíssima ao lado do Simas e do Leo Boechat.
Quero confessar que poucas vezes li relato tão preciso quanto esse, que transcrevo, na íntegra. Escrito pela caneta danada do Simas, o texto é expressão fiel e integral da verdade. E uma espécie de declaração de princípios meus, escrita – eis o mais bonito – não por mim, mas por alguém que me conhece como poucos.
Estávamos voltando de uma tarde, de um começo de noite de não se esquecer - horas de entrevista com João Bosco, num buteco pé-sujo na Gávea. Até que…
“´SAUDADES DO CAVALCANTE´
A senha para o início da operação João Bosco tinha sido dada pelo telefonema do Digão:
– Rio-Brasília chamando. Rio-Brasília chamando. Câmbio…
– Tô descendo. Chego em cinco minutos.
E lá fui eu me encontrar com a quadrilha, ou melhor, com a equipe escalada para a entrevista com o capeta de Ponte Nova, parceiro do Aldir e pai do Chico. A primeira impressão foi um horror. Digão e Edu Goldenberg, em decisão ditada, certamente, por algum encosto que zanzava sem rumo desde que fora vítima de uma sessão de descarrego na Igreja Universal da Avenida Suburbana, apareceram vestidos da mesma maneira, com camisas do Flamengo da época do Rondinelli. Um horror.
E lá fomos nós, de carona no Brizolamóvel do Edu, deixando a boa e velha Tijuca rumo ao desconhecido, um bar qualquer da zona sul perto da casa do João. Edu, em estado de desvario, gritava para o Leo Boechat:
– Não entro no Belmonte! Não entro no Belmonte! Vamos achar um pé-sujo nessa merda de zona sul.
O Digão, animador, respondia:
– Tá foda, Edu, tá foda.
Eu, por minha vez, batia numa única tecla:
– Vocês estão de sacanagem com essas camisas. Vai dar azar, essa porra.
E rumamos, após longa peregrinação, ao bar e botequim Rainha do Mar, na Marquês de São Vicente, não sem antes o Edu ter sugerido fazer a entrevista no bar da clínica São Vicente, onde o Vinícius enchia a cara quando era internado. Digão argumentou com lógica cristalina, afastando a idéia do Eduardo:
– Edu, o risco é internarem a gente. Vão internar a gente.
O João Bosco, comunicado do local da entrevista, gostou e avisou que chegaria em breve.
Queridos, não mencionarei rigorosamente nada sobre a entrevista. Aguardem o Buteco do Edu. Foi surpreendente e, sobretudo, emocionante. Eu quero é relatar fatos posteriores.
O Digão, prudente, foi direto pra casa da Joana, pertinho do botequim. Eu e Leo Boechat entramos no jurássico Brizolamóvel, guiado por um Goldenberg em estado, digamos, alterado, e partimos para o aconchego sacrossanto do lar.
Eis que, num certo momento, alguém sugeriu (e creio ter sido a voz do encosto) uma saideira. Como estávamos na porta do Mistura Fina, foi ali mesmo que o barco bêbado atracou. Fomos ao balcão e, enquanto generosas doses de Red desciam, o Edu iniciou um discurso contundente:
– Que saudades do Cavalcante!! O Cavalcante era o maior. Me tratava como um rei. Quem conheceu o Cavalcante? Em que ano morreu o Cavalcante?
Impressionadíssimo, achei que o Edu estava falando sobre um personagem de um filme do Zé do Caixão que é ressuscitado ao som do bordão:
– Erga-te, Cavalcante!!
Mas não…o Cavalcante, no caso, fora maitre do Mistura Fina no início dos anos noventa, quando o Doutor Goldenberg andava, serelepe e fazendo merdas, por aquelas bandas esquisitas da Lagoa.
O Leo Boechat, imediatamente, concordou com o Edu:
– O Cavalca era o maior. Saudade dele. Um brinde ao Cavalcante!
Eu, me sentindo o mais ignorante dos boêmios, perguntei ao camarada Boechat:
– Porra, Leo, você também conheceu o Cavalcante?
– Não. Nunca vi nem ouvi falar. Mas era o maior. Era o maior.
Nessa lenga-lenga, chegou a hora de caminhar. Caríssimos, imaginem a cena. Em um Mistura Fina repleto de gente engravatada, emperequetada pra cacete, três sujeitos de bermudas e chinelos, barrigas proeminentes, um deles com uma camisa do Flamengo, daquelas que o Zózimo da Engraçadinha usava em Vaz Lobo, se retiram assaltando, sim, esse é o termo, o bar. Aliás, três sujeitos porra nenhuma. Eduardo Goldenberg fez isso. Explico, explico…
Edu colocou, inicialmente, dois quilos de amendoim nos bolsos da bermuda. Isso feito de forma descarada, infame, na frente de cento e cinquenta atônitos frequentadores. Ainda falou para o garçom mais próximo:
– Vou levar uma amendoinzinho para o Pepperoni, meu vira-latas. Ele gosta, é um tremendo cachaceiro.
Eu, não sei por que cargas d´água, piorei a situação ao dizer:
– Belos copos de uísque. Belos copos.
– Quer um? – Me falou, com intenções diabólicas, o Edu.
Antes de ouvir minha resposta, o meu possuído irmão começou o discurso grandiloqüente:
– O Cavalcante não morreu. Ele ainda paira sobre a nau Mistura Fina. Sempre me tratou como um rei (o Leo, aos prantos, concordava: – Que saudades do Cavalcante… Um brinde ao Cavalcante!).
Para meu estupor, e estou sendo sincero, o bar inteiro brindou. Alguns garçons, amigos do falecido, começavam a chorar. E o Edu, emocionadíssimo, continuava:
– Cavalcante foi, para mim, o maior. O Pelé dos maitres. É em nome dele, que eu sei que concordaria com isso, que sairei levando o copo. Adeus.
E, impávido colosso, o bravo Edu retirou-se, erguendo o copo de uísque como troféu. Ninguém ousou pedir o copo de volta – seria, certamente, tremenda desfeita ao falecido Cavalcante, o maior.
Ao chegar à porta de casa, na velha Tijuca, o Edu entregou-me o copo, comovidíssimo:
– É pra você, Simão. Faço isso em nome do Cavalcante. Leva.
E o copo está aqui. Ontem mesmo o inaugurei, tomando uma dose. A Candida, ressabiada, ainda perguntou:
– Quem te deu esse copo?
– Um amigo.
– O Edu?
– Não. Você não conhece, meu amor.
– Como se chama?
– Cavalcante. O maior, o maior…”
TIJUCANISMOS NAS MÃOS DO LULA
Semana passada tive a honra de, a convite do prefeito Eduardo Paes, comparecer ao Palácio da Cidade, em Botafogo, para acompanhá-lo durante encontro com o ex-presidente Lula, que estava já há uns dias no Rio de Janeiro. E tive a oportunidade de entregar em mãos, ao ex-presidente, um exemplar de Tijucanismos - editado pela Mórula, a editora do meu coração, com capa e ilustrações de Humberto Hermeto, prefácio de Luana Carvalho e apresentações de Luiz Antonio Simas e Juliana Monteiro.
A foto é da Beth Santos.
E você pode comprar Tijucanismos aqui.
Até.
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