A edição da newsletter que você acaba de receber é a quarta dirigida exclusivamente aos assinantes da Buteco do Edu na modalidade paga, o que significa dizer que estou escrevendo para 0,91% dos assinantes totais (há três semanas era 0,48%, na semana retrasada era 0,78%, na semana passada era 0,83%, estamos avançando devagarinho) - e agradeço penhoradamente pela generosidade do gesto de me remunerar por essa dedicação, porque é uma dedicação vir aqui toda semana para contar histórias para vocês que me lêem.
Peço que se você estiver gostando do que tem chegado para você às sextas-feiras, para além do que lhes chega gratuitamente aos sábados, faça correr esse link, faça propaganda da newsletter, convença alguém que goste de ler a vir para cá e a assinar a Buteco do Edu - às favas, a modéstia. Perto do que se vê por aí, os tais “textões” que as azêmolas publicam, é coisa fina. É só clicar aqui.
MEUS ABRIS E MEUS FANTASMAS
Se você já me lê há algum tempo, já sabe: quando vem chegando abril, vêm chegando para mais-perto os meus fantasmas, vem chegando o que alguns chamam, penso eu que é isso, de inferno astral. O nome pode ser esse, mas é, a bem da verdade, um período sacrossanto: há tormentas na mesma medida e na mesma intensidade que há beleza em estado bruto.
Houve um tempo em que eu não via beleza nos meus abris - era, presumo, a falta de maturidade. Em 2006, aqui, eu escrevi:
“As flores de abril. Os ares de anil. E o mundo fechado em botão. Nunca me senti tão só. Não há pássaros, que dirá flores (há, mas não as vejo). Há, sim, flores, e são vermelhas, mas já murcharam e esqueci-me de guardar as pétalas que ela tanto gosta, mandei-as pra longe. Canto, calado, pra dentro e ninguém me vê. Ninguém me ouve. Há, sim, há quem me ouça o pranto desolador, mas não me bastam seus apelos para, digamos, respeitar o caráter de abril que – ironia – não suporta as dores nem quer sabê-las. Abril dói em mim desde 69, arde em mim, range em mim, mas ninguém me entende. Há, sim, há quem me entenda, mas não consigo acreditar que ela me entenda, ponho tudo na conta da piedade. Tenho, também, em todos os abris, intensa piedade de mim. Sem ter a quem pedir, sou cético em qualquer abril, tenho aguda piedade de mim mesmo por ter intensa piedade de mim. Olho, olho à volta, olho em mim, e há uma brutal escassez de beleza e minha vista está inteiramente impedida de ser vista. Há, entretanto, sim, há beleza, mas em abril ela parece-me ainda mais distante, e há uma aridez impressionante de vida e nenhuma canção. E porque estou morto de paixão, e porque em todos os abris é assim que vivo, e por ser esse o vaticínio do poeta, penso, ainda mais crente neste abril presente, que sou feliz.”.
Cinco anos depois, em 2011, aqui, escrevi:
“Quem me lê com freqüência sabe que sou um homem por diversas vezes acometido por verdadeiros surtos de arremesso violento em direção ao passado.
Esses arremessos – e faço constantemente menção a eles – acontecem, quase sempre, de forma involuntária. Explico.
Estou no carro deslizando pelas ruas da Tijuca. Passo, por conta do caminho necessário, diante do número 84 da rua São Francisco Xavier. É o que basta: estou, em questão de segundos, com 10 anos de idade, calças curtas e camisa listrada, jogando bola de meia na vila onde moraram meus avós. Estou na cozinha e diante de mim, sobre a pia, a cesta de frutas onde repousam algumas bananas. Se ocorre de eu esbarrar o olhar, num átimo de segundo, no açucareiro, lá vou eu cortar a banana ao meio, no sentido longitudinal, pô-la num prato de louça, fatiá-la com a faca em pequenos quadrados sem tirar a casca, pôr um punhado de açúcar ao lado e comer à moda de minha bisavó. Se vou à Teresópolis, ou mesmo se passo por lá a caminho de Nova Friburgo, ouço a voz de minha tia Zirota com uma nitidez capaz de fazer qualquer psiquiatra pedir arrego diante de mim. E por aí vai.
Ocorre que com a aproximação do dia 27 de abril, dia em que nasci – na Tijuca, evidentemente – esses arremessos ao passado passam a ocorrer com mais freqüência, muitos deles provocados por mim. (…).“.
Em abril de 2012 - pouco depois de ter morrido a mulher que continua viva - escrevi aqui:
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine Buteco do Edu para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.