É muito mais do que simplesmente não-vai-ter-carnaval. Pra mim, faço a confissão pública, dói imensamente mais pelo simples fato de que o Cordão da Bola Preta, essa instituição, não abriu o Sábado de Carnaval no Velho Centro do Rio (hoje!). Eu, que há anos - tantos anos que peguei o Bola vaziíssimo serpenteando pela Treze de Maio - amanheço no sábado com sede, com fome, com ânsia do Cordão, faço da sexta-feira uma espécie de réveillon e posso dizer, sem medo do erro, que o dia mais importante do ano é, indubitavelmente, o Sábado de Carnaval.
Há muitos anos que nossa casa, a Maison Goldenberg & Piana, amanhece para o Sábado de Carnaval fantasiada para declararmos aberto o tríduo momesco (foto abaixo de fevereiro de 2020). E vêm os amigos, as amigas, e bebemos, e comemos, e ouvimos Elizeth Cardoso no máximo volume cantando que quem não chora não mama, segura, meu bem!, a chupeta, lugar quente é na cama ou então no Bola Preta (ouçam aqui).
E mais que isso: a Morena abre as portas superiores dos armários e desce com toda a parafernália que acumulamos. Cílios postiços, perucas, batons, meias-arrastão, acessórios de todo gênero, um sem fim de fantasias que ganham reforço, ano após ano, depois de nossas peregrinação de fé pelas ruas do SAARA.
O que significa dizer que muitos dos nossos amigos chegam à MG&P de cara limpa, com as mãos abanando, para depois de alguma birita (a mesa é sempre farta!) se entregarem aos cuidados da Morena, que adora produzir um por um (abaixo, Flávio Gomes em 2018).
Enfim, meus poucos mas fiéis leitores, não teremos nada disso nesse 2021.
Mas 2022 está logo ali.
E reviveremos a alegria infernal do Bola Preta.
BOLA PRETA
Deixo vocês com esse vídeo que tanto amo. Livraria Folha Seca, rua do Ouvidor 37, Centro do Rio de Janeiro, no dia 20 de janeiro de 2009. Estou cantando Bola Preta, choro de Jacob do Bandolim com letra (póstuma) de Aldir Blanc, com o auxílio de Gabriel Cavalcante (voz e cavaquinho), Tiago Prata (violão de 7 cordas) e Leal no tamborim.
Antes, a íntegra de um texto que escrevi em 07/02/2013 chamado “Faltam quarenta e oito horas”:
“Eis que estamos a menos de 48h do início do Carnaval 2013, porque o Carnaval, meus poucos mas fiéis leitores, começa somente quando rasgam os céus do velho centro do Rio os sopros dos metais – de andaime despencando, apud Aldir Blanc – do Cordão da Bola Preta anunciando que “lugar quente é na cama ou então no Bola Preta”.
Lá estarei, irreconhecível. Lá estarei, de mãos dadas com ela, perdido entre tantos turbilhões que a turba forma quando sai o cordão. Lá estarei disposto a viver o mistério da sagrada festa profana, pronto pra renascer 96 horas depois.
Lá estarei carregando o peso de meus 43 anos e minha esperança de pelo menos mais 43 à frente. Lá estarei carregando o peso de meus 42 carnavais, o cheiro forte do Rodouro que meu pai comprava clandestinamente, todas as minhas dores que serão novamente expurgadas no asfalto que me verá passar mais uma vez, todas as minhas esperanças que hão de estar renovadas na Quarta-Feira de Cinzas. Lá estarei com todos os meus amores, com todas as minhas frustrações, com toda minha saudade, com todas as minhas taras – as mais inconfessáveis -, com todas as minhas energias e com toda a minha força possível a fim de sacudir e arrebentar o cordão de isolamento que tentam, diuturnamente, nos impor.
Lá estarei ao lado dela, minha Morena, que veio pra perto de mim como num sonho de Carnaval.
Porque fantasia pouca é bobagem.
Abadá, área VIP, guarda manja-rôla, tudo isso é sacanagem.
Tenhamos todos disposição pra gritar que não queremos corda no nosso bloco, não queremos carro-chefe, não queremos ordem nem divisa.
E como Carnaval também é Mistério, forjo o Tempo e canto pra ela, Flávia, o Bola Preta do Jacob do Bandolim, letrado por um de meus orixás vivos, Aldir Blanc, hoje, 20 de janeiro de 2009. Foi pra ela que eu cantei.
Se você duvida, nego, você nem desconfia o que seja a festa que começa no sábado.”
Abaixo, a letra completa - da forma como Aldir a escreveu.
"Miudinho da Penha a Xerém
eu sei onde tem...
Um balanço de vem-ou-não-vem
no bonde ou no trem.
Socialaite beijou Zé-Ninguém:
nenhum nhém-nhém-nhém.
Chupeta, meu bem, pro neném...
I – B
Um inglês que trocou por Roskoff
o tal Big Bem,
o glamour de João Valentão
no Rio:
olha o cabra-da-peste,
deixa estar,
pintando o 7,
beliscou a Elisete
e foi beber no Tangará!
II
Malícia e Inocência moram lá.
São gêmeas e só querem namorar.
A Banda do Sodré
desabrocha e faz lembrar
o flamboaiã em flor de Paquetá.
- mas, ai, meu Deus que saudade que dá...
Já são 10 horas da manhã
de sábado e o Bola vai passar.
Passou e não passou,
foi pra Lapa mas ficou.
O Bola preta sabe eternizar.
- Eu sou de lá...
I – C
Mas tem um risco Brasil de mulhé
com a tal cana-caiana e café
e bota fé que o Bola chegou
não tem Zé-Mané!
Colombina dá bola pra mim
que ando assim-assim
- Sou meio Pierrô e Arlequim.
I – D
Tô na máquina do velho Wells
descida dos Céus,
um Balzac soltando no mundo
traque bom de pelica.
Tô no Bola,
a dica é de cuíca,
tão feliz a gente fica,
paquerei Carminha Rica
e fui beber no Bar Luiz.
III
Demorô,
oi, Iaiá, ai, Ioiô,
eu tô que tô
ou tu fica ou não fica...
A mulher ideal
é a Neuma, a Zica, a Surica
- ai, cumé qui eu vô fazê? Hein?
Duvidô,
de-ó-dó,
chororô, ô,
se encrencou,
o segredo é viver.
Pro Bola Preta
eu vou de muleta
e sinto a caceta
rejuvenescer.
IV (variações)
Vem Caymmi,
Noel, Lamartine, Ari, Bororó,
Ademilde também, o Orestes,
Sinhô, Donga, Jota Efegê
- Ai, o Tatu subiu no Pau!
Da Saúde, da Vila, do Estácio e de Madureira,
na uca, a Tijuca também quis comparecer,
pagou pra ver porque
eu vou sambar
no Bola, meu cordão,
o sangue e o coração
com Pato Rebolão, Porrete
e outros bambas sem par...
o Bola Preta, preta, é meu segundo lar
e é lá que eu quero
me curar.
(Final)
Os Democráticos e os Fenianos
são pau-a-pau.
A vizinha mamava na minha:
ensaio geral.
Trinca-Espinha virou K-veirinha
- Hoje é Carnaval!
Não chora, meu bem:
é norrrmal! Uau!
Preto e Branco, as cores do time:
feijão bom de sal.
Na moral, a moçada não quer
o teste da farinha.
Quem apaga e perde a linha
- amor com amor se paga –
liga pra Zezé Gonzaga
e vai beber no Nacional.
(breques)
Vou pro Bola, já.
Tô ainda lá...
Eu vou me esbaldar
pra eternizar,
pra eternizar,
pra eternizar..."
Até.
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