Vira-e-mexe, lá nas bandas do Twitter (minha conta aqui), recomendo atenção máxima a tudo o que escreve Luiz Antônio Simas, um pensador e um intelectual imprescindível dos nossos tempos (e a essa altura, março de 2021, isso é unanimidade e consenso em todo o Brasil, eu diria que em boa parte do mundo). Eu disse pensador e intelectual e quero começar cometendo pequena indiscrição (por um bom motivo, o correr da leitura explicará o porquê da necessidade de fazê-lo): o Simas é, sobretudo (e antes de tudo) um sujeito simples. Um miudinho, ele mesmo diria. Um tímido, também. Lembro com vivacidade de muitas de nossas conversas (tenho essa sorte há muitos anos) quando eu o interrompia, de quando em vez, diante de um rompante de genialidade dele:
— Você precisa começar a se assumir como um pensador, pô! Um intelectual!
Eu nem chegava à metade do argumento (ele já sabia que eu começaria a ladainha com a sugestão e o apelo) e Luiz Antônio Simas já se contorcia e gemia dizendo que não, que aquilo não era pra ele, que isso, que aquilo, mas é maravilhoso saber que já, há tempos, isso mudou: ele tem plena de consciência de quem é, do que faz, do que é capaz - e quem ganha com isso tudo somos nós.
Feita a confissão, vou em frente.
Quero lhes contar o que acontece na Tijuca, no glorioso bairro da zona norte da cidade, em relação ao Simas. Não sem antes lhes dizer que quem sugeriu uma newsletter dedicada ao tema foi a jornalista Flávia Oliveira, também lá no Twitter.
Vamos a um exemplo prático.
São seis da manhã. Nesse horário, todos os dias (às vezes mais cedo), o Simas leva seu cão - Max Overseas - pra passear no ParCão que fica na praça em frente ao nosso prédio (moro no mesmo prédio, dei essa sorte também). E o ParCão se transforma num zoológico quando ele chega. Quem tem cão leva cão, quem tem gato, gato.
E não para por aí: neguinho aparece com ramster, tartaruga, gaiola de passarinho, todos e todas com apenas um objetivo: ver, ouvir, tocar no Simas - o “professor”, como é chamado solenemente por muita gente. E o impressionante fenômeno não para por aí. Vai mais além.
Se por acaso o Simas espirra - ainda mais em meio à pandemia - ouve-se um uivo coletivo de “saúde” que chega a curar. As pessoas pedem pra tirar foto, selfie, pedem autógrafos (há quem leve, de uma só vez, os mais de vinte livros publicados pelo professor), conselhos, até passe eu sei que pedem.
E eu digo sem medo do erro. Não estão erradas, as pessoas. Pode até haver algum exagero, alguma inconveniência. Mas as pessoas estão ali, movidas pela admiração às escâncaras, dando flores em vida ao Simas, um gênio absoluto. Dia desses, comovido, eu ouvi o seguinte...
O Simas havia acabado de chegar ao ParCão. Eu fazia a feira ali pertinho (era, portanto, uma quinta-feira). E ouvi quando uma senhorinha, com um poodle toy, disse ao neto (parecia ser o neto):
— Veja! Espia! Ali está o professor Simas. Nasce um Simas a cada 100 anos, meu amor! - era a velha repetindo meu bordão.
Ou, como ouvi dia desses também, a dona Nazinha, uma espírita fanática que mora na Gonçalves Crespo, conversando com um gari:
— O Simas, meu filho, está pra Tijuca como o Chico Xavier pra Pedro Leopoldo.
O gari, concordando:
— Tem que tirar a estátua do Tim Maia e colocar a do Simas!
Dona Nazinha, com as mãos espalmadas em direção ao alto, disse:
— Estátua de vivo não pode! E o Simas ainda há de levar muito tempo até o desencarne.
O gari fez o sinal da cruz, disse amém e eu precisei tomar o rumo de casa.
Ouvi, ainda, a kardecista fanática corrigir o homem de laranja:
— Amém, não! Axé. Axé. Axé.
SIMAS E LEONEL
Simas, sabido demais que é, o homem que há quase 10 anos cuida da minha cabeça, o homem que nos cercou, a mim e à Morena, com todo tipo de cuidado durante a gravidez, tocou o interfone lá pra casa no final da tarde do dia 30 de maio de 2018.
Morena, sabida demais que é, a sensibilidade aguçada por conta de estar preparando outra pessoa (apud Caetano Veloso), já estava passando as roupinhas do Leonel com a tábua aberta na sala de casa.
O maragatinho era esperado pro final de junho.
— Mas já passando as roupinhas dele?
Aquele olhar que diz eu-sei-o-que-tô-fazendo e logo depois o interfone tocou.
Chegaram Simas e Candinha. E ele já entrou dizendo, coçando o alto da cabeça:
— Leonel tá querendo vir, gente…
Uns dias antes, ele já havia me alertado:
— Anota aí o que você vai ter que comprar pra levar pra maternidade…
E lá fui eu pro Mercadão de Madureira comprar o que me foi pedido.
Poucos dias depois:
— Deixa uma bolsa com tudo o que você comprou pra levar pra maternidade, não deixa pra última hora… - aquele tom de voz que indica um conselho sério.
Pois entraram os dois, viram Morena passando roupa, Simas fez seu vaticínio e deram de pegar o carrinho de bebê, que estava ainda dentro da caixa, para montá-lo. Faço rápida correção: foi a Candinha que montou o dito cujo.
O resto é história: acordamos no dia seguinte, dia de Corpus Christi, com a bolsa estourada. Tomamos o rumo da maternidade com a única coisa que foi possível carregar: a bolsa de palha com as quartinhas, os pratos de barro, a garrafa de cachaça, efun, wáji, tudo o que me fora pedido.
Pausa breve: está pra sair livro meu, pela Mórula, Tijucanismos. Nele, conto sobre a saga dos dias na maternidade. Voltemos.
E vamos ao que quero lhes contar (na foto abaixo, Leonel no colo do Simas no dia do seu primeiro aniversário).
Por força das coisas do invisível, o Simas foi o primeiro a entrar no quarto na maternidade no começo da tarde do dia primeiro de junho. Precisava conversar com o moleque, rezar, fazer as mandingas que um homem como ele domina como poucos.
E lá estava Leonel no bercinho, Simas debruçado sobre ele, cantando e rezando, rezando, cantando, falando baixinho, bateram na porta. Fui atender. Era uma enfermeira querendo saber se era “o professor” (ponho entre aspas porque ela empostou a voz ao fazer a pergunta) que estava lá conosco. Sim, eu disse. Oh, ela gemeu.
— Tem uma pequena multidão na recepção atrás dele.
A enfermeira me pediu que descesse.
Deixei o Simas com a Morena e o Leonel. E desci. Vamos ao cenário.
Dois seguranças impediam a entrada das pessoas. Todas, sem exceção (se havia alguma eu não vi), tinham nas mãos alguns livros de sua autoria. Fui obrigado a me identificar, atendendo ao pedido da enfermeira (que também trabalhava no Salgado Filho - que saudade do Aldir).
E subi com uns 50 livros que o Simas assinou tranqüilamente (não abro mão do trema) enquanto conversava com a Morena - Leonel dormindo, plácido, ao lado dela na cama.
Um fenômeno, o Simas.
SIMAS: UM LÍDER
O Simas é, sobretudo, e ainda que ele não queira, um líder.
A foto abaixo presta-se não apenas para trazer à tona a manhã, a tarde e o começo da noite do dia 30 de setembro de 2006, quando fomos - eu, Luiz Antônio Simas, Rodrigo Ferrari e Tiago Prata - entrevistar Wilson Moreira em sua aprazível casa numa vila na rua Barão de Ubá. Mas para mostrar a vocês como somos, eu e ele, jurássicos (notem, por gentileza, o professor estendendo um gravador - as novas gerações sabem do que se trata? - para registro da fala do Alicate).
A entrevista pode ser lida aqui. Finda a promoção do blog que mantive por mais de 15 anos, vamos em frente.
Quero, antes, repetir o que já disse algumas vezes. Tão logo conheci nosso protagonista de hoje eu disse sem medo do erro:
— Vai chegar o dia em que você será, para o Rio de Janeiro, o que Ariano Suassuna é para o Recife. Vai chegar o dia em que você subirá num caixote para falar e multidões cercarão você a fim de ouvi-lo… - e ele gemia de rir, dizia que não com as mãos espantando mosquitos imaginários, fugia do que eu previa.
Dito isso, sigamos.
O Simas não pode mais ser o Simas que sempre foi: tímido, simples, na dele, quieto. O Simas virou, me perdoem a redundância, um líder. Eu mesmo, pelo simples fato de ser seu vizinho, o que é de conhecimento de todos, já tive minha rotina alterada por conta dele. Explico com uma cena comum e cada vez mais comum.
Saio pra comprar pão.
— Edu? - e eu tomo o mesmo susto de sempre.
— Oi, eu mesmo.
E o interlocutor puxa assunto, dá bom dia, pergunta como vão todos em casa, faz um comentário meteorológico até que emudece. Olha fixo nos meus olhos e diz:
— Como faço pra falar com o Simas?
Outra cena comum. O cara puxa assunto, dá bom dia, pergunta como vão todos em casa, faz um comentário meteorológico e pede meu telefone, diz que leu livro meu, que gosta dos filmes do Botecos do Edu (aqui). Depois que nos despedimos chega a mensagem:
— Pode me passar o contato do Simas?
É isso, em apertada síntese: quem conhece o Simas é, hoje, invariavelmente é, RP do Simas. O cara é um fenômeno - não há outro nome possível.
Morando no mesmo prédio, o que me deixa numa privilegiada posição de observação, já vi de tudo: fã fantasiado de entregador do iFood tocando o interfone pra todos os apartamentos do prédio na tentativa de localizá-lo, gente com livros do Simas expostos sobre as mesinhas do CTI das Almas esperando a chance de um autógrafo, ex-alunos e ex-alunas nos bancos da praça aguardando a oportunidade de um oba, de um olá do ídolo.
E esse episódio, 100% real (cheguei a contar no Twitter sem muitos detalhes, que conto agora).
Cena normal no começo da pandemia, março e abril do ano passado: pessoas nas sacadas, nas varandas, nos alpendres, tocando instrumentos, cantando, valendo-se da arte pra amenizar a angústia de todos aqueles que vivenciavam a quarentena em prol do bem-estar da coletividade.
Pois houve um dia em que o Simas, certamente impulsionado pela cerveja (conheço o caboclo!), inspirando-se nos italianos que protagonizavam as tais cenas nas sacadas, nas varandas, nos alpendres, foi à janela exibir sua vasta barba de náufrago - o Salão América não abria há 3, 4, 5 semanas por conta das restrições - e Raul, que toca o salão, tem quase 80.
E da janela gritou:
— Cândida fará minha barba em 15 minutos!
Uma pequena multidão que bebia no bar da esquina, na encolha, foi ao delírio. Garis, vendedores de pipoca, as moças das carrocinhas de coco, os passantes, os taxistas, todos começaram censurável aglomeração na calçada em frente.
Foi aparecer, o Simas, e começaram os gritos. Enquanto Candinha exibia suas habilidades de barbeira a turba disputava a tapa os tufos louros da barba de Luiz Antônio que caíam (com vento) da janela.
Cosme, o chaveiro, completamente embriagado, dizia que a barba do homem era milagreira e que poderia ser usada num chá. Parece mentira a vocês? Pois eu vou tentar - podem me cobrar - colher em vídeo o depoimento de alguns dos presentes.
SIMAS NO MERCADÃO
Fui uma única vez com o Simas ao Mercadão de Madureira. Pra quê?!
O Simas é cumprimentado do primeiro ao último box do mercado. Saudado como um ídolo, digamos assim.
— Vai levar bode hoje, professor? - eu ouvi de um comerciante.
Deu autógrafo nos corredores, ajudou populares na compra de apetrechos pra macumbas, posou pra fotos, recebeu convites pra batizados, teve a mão beijada, vi gente batendo cabeça em frente a ele, um escarcéu.
Mas nada se compara ao que eu vivi - e vi, meninos e meninas, eu vi! - num buteco situado no segundo andar. Ele disse, apontando pro fundo do corredor:
— Vamos beber uma ali, Edu?
Fui.
Fomos.
Uma estufa duvidosa, uns ovos cozidos de cor suspeitíssima e ele:
— Faz torresmo na hora?
Faziam.
— Uma porção de torresmo e uma Brahma geladíssima.
Estávamos ali, eu e ele, há coisa de - o quê?! - umas duas, três horas bebendo, traçando tira-gosto, jogando conversa fora.
O dono da birosca, seu Natal, à certa altura se chegou pra perto de nós, no balcão, e disse - olhando pro Simas:
— Meu neto é muito seu fã, lê seus livros, é Botafogo como o senhor…
Simas sem graça.
— Vou precisar dar uma saída, vou deixar o Tobias atendendo vocês…
E nos apresentou ao menino, começara a trabalhar na véspera.
Seguimos bebendo, almoçamos - bife à cavalo com batata frita -, bebemos mais, seu Natal voltou, pedimos a conta.
A conta demorava a chegar, seu Natal e Tobias conversavam do lado de dentro do balcão, pedimos mais uma (estávamos fechando um engradado), até que o coroa aproximou-se com um papelucho na mão:
— Tobias disse que pagaram sua conta. - ele seguia cravando os olhos no Simas, não se dirigia a mim.
— Pagaram quem? - perguntou o Simão.
— Pois. Pagaram quem, Tobias? - era seu Natal se dirigindo ao menino.
— Não pagaram só a deles, não. Pagaram a conta de um tal de seu Geraldo Gasolina também…
— A conta do Geraldo Gasolina?!
— Sim.
Seu Natal deu de nos contar a história. Seu Geraldo Gasolina tinha um box que vendia folhas e ervas no andar de cima. Devia uma pequena fortuna ao botequim quando morreu fulminado por um infarto na escada rolante no final de um dia de trabalho, havia uns cinco, seis meses.
— Mas quem foi, Tobias?
Tobias deu de descrever o mecenas.
Até que apontou pra uma das paredes do bar, uma cortiça com diversas fotos, e disse:
— Foi aquele senhor, ó, de chapéu de palha!
Era o próprio.
Seu Natal, aos prantos, estava sendo abanado pelo Tobias que por sua vez custou a entender que o morto quitara a própria conta - e a nossa.
Simas saiu rindo feito Exu-Caveira me puxando pela mão.
— Que história é essa, Simão? - eu perguntei com certo medo.
— Deixa quieto. - e gargalhou de fazer tremer Madureira.
Eu vi, meninos e meninas, eu vi.
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