Dia 05 de maio, quarta-feira passada, Elisabeth Santos Leal de Carvalho fez (fez!) 75 anos. Beth Carvalho, uma saudade imensa há pouco mais de dois anos (foi oló no dia 30 de abril de 2019), merece sempre ser lembrada e reverenciada com festa. E houve festa, de certo modo houve festa, na quarta-feira.
Luana Carvalho, única filha da Beth, muito amiga nossa, madrinha-de-rua do Leonel, nos convidou para estar com ela à noite justamente para que pudéssemos, tomando todos os cuidados (antes que venham os detratores), beber, comer, cantar e louvar a memória da maior-de-todas.
E assim foi feito.
A Luana, já lhes contei em outra ocasião, escreveu, a convite da Mórula, o prefácio de Tijucanismos, meu livro de crônicas que foi posto em pré-venda no final de abril. Nele, no prefácio, Luana fala sobre algo que eu jamais contara pra quem quer que fosse. O seguinte:
No velório de minha mãe, tive o súbito desejo de chamar Edu para dizer algumas palavras. Foi o discurso mais justo e bonito que aconteceu. Edu nos salvou.
Generosa, a Luana (como sua mãe). Mal sabe ela (vai saber agora) que quando ela me fez o convite, já no cemitério (uma amiga foi portadora da convocação), eu estava numa água de dar gosto. Havia bebido desde cedo durante todo o lindíssimo e emocionante gurufim, na sede do Botafogo. No cemitério, pouco antes da cerimônia de cremação, pra agüentar o tranco, sempre com a Morena ao meu lado, comecei a pedir doses de uísque sem gelo. Eu estava destroçado quando a Inês me avisou do desejo da Luana. Topei na hora, é claro (ela, Beth, não me perdoaria se eu recusasse).
Eu nunca havia estado num crematório. Lugar lindíssimo. Parece um cinema daqueles antigos, de rua. Pé direito altíssimo, poltronas confortáveis, fui até o banheiro pra me aprumar. Lembro-me como se fosse agora: chorando, diante de espelhos suntuosos, molhei o cabelo e o rosto com água da pia (de mármore, torneiras e bica de rajá). Olhei-me olho no olho e disse de mim pra mim: respira fundo, porra, segura sua onda, veja lá o que você vai dizer em homenagem à sua amiga! Lembro pouco, quase nada do que disse. O que Luana disse no prefácio foi um alento pra mim. E antes de falar dela - Luana - quero contar uma história (100% real) que vivi a caminho do Botafogo naquela manhã de primeiro de maio.
ISOPOR COM BASTANTE GELO
Eu fui ao hospital assim que Luana me mandou mensagem. E quando nos despedimos, eu e Morena, ela me fez o pedido:
— Faz um favor pra mim, Edu? Leva um isopor com cerveja pro gurufim amanhã? - a expectativa (que se tornou concreta) era de que haveria uma roda de samba memorável como despedida pra Beth.
No dia seguinte, primeiro de maio, saí cedo de casa com um isopor lotado de latas de cerveja. Estacionei o elevador alguns andares pra baixo, Simas entrou comigo e tomamos um táxi em direção ao Botafogo.
No meio do caminho, pedi ao motorista que encostasse o carro numa distribuidora de bebidas pra comprar gelo a fim de gelar a cerveja.
Saltei carregando o isopor. Pedi ao cara que me atendeu que pusesse bastante gelo, o quanto coubesse, pra que a cerveja ficasse nos trinques. E o cara começou o serviço: foi socando o gelo em escamas entre as latas, perguntou:
— Churrascão no feriado, doutor?
— Nada, cara… é pro velório da Beth Carvalho.
Sem dizer nada, seguiu cuidando do gelo. Pegou álcool, sal grosso, mais gelo, deu um trato profissional no troço. Estendeu o isopor pra mim, já com a tampa.
— Quanto eu te devo, amigo?
E ele, com a voz ligeiramente embargada:
— Pra dona Beth não é nada, não.
Voltei emocionado pro táxi.
Uma artista do povo - é isso, também, que Beth Carvalho é (é!).
VISUAL
Falei da Luana, falei da Beth, falei da Beth, falei da Luana, e quero que vocês que me lêem ouçam essa gravação de Visual, samba que a maior-de-todas gravou. Luana o regravou com novo arranjo e fazendo dueto com a mãe, voz e bases da gravação original, de 1978, para o disco De pé no chão (um absurdo, da primeira à última faixa). Ouçam até o fim: Mia, neta da maior-de-todas, manda seu recado pra avó.
MAINHA
A vida faz desenhos bonitos demais. A Luana compôs Mainha (clipe abaixo) pra Flávia, a Morena. As duas se conheceram sem qualquer interferência minha ou da Beth. Tornaram-se irmãs de barriga, Mia e Leonel têm meses de diferença de idade. Os dois - Mia e Leonel - se amam como irmãos, se vêem todos os domingos, o domingo é nossa janela de respiro em meio a tempos tão difíceis.
Eu tive chance de dizer à Beth, dois dias antes daquele 30 de abril, em visita que fiz a ela no hospital (e que durou horas, bem à moda dela) o quanto me emocionava ver Flávia e Luana tão próximas. O quanto eu achava lindo - e emocionante, e surpreendente! - saber que meu único filho e sua única neta cresceriam juntos.
Outro trecho do prefácio diz o seguinte:
De todas as emoções que esse livro provoca, o nascimento do Leonel é imbatível. Pra mim, nas páginas e na vida.
Pois.
Luana não sabe (vai saber agora) o quanto me salvou quando me mostrou a canção Mainha. Eu moraria pra sempre no momento em que a ouvi pela primeira vez, de olhos fechados e com a imagem da Morena dançando dentro de mim.
A história que nos une também é imbatível.
Vai aqui o último spoiler do prefácio:
Foi assim que ficamos grandes amigos, eu e Edu: grávidos. Esperando Mia e Leonel. Acreditando na vida. Como nunca. Tudo culpa da Morena, essa mulher, minha irmã de barriga. Essa mulher, mais mulher impossível. Imenso elo, assim como minha mãe — e não podia ser menos extraordinária —, que nos fez família, afinal; o que sei é que sempre foi pra ser assim.
TIJUCANISMOS
Uma das alegrias que me proporcionou meu livro que está sendo lançado pela Mórula, a editora do meu coração, é justamente o fato de que o prefácio foi escrito pela Luana. Foi escrito, lendo foi inevitável a certeza, com o coração - e me comoveu brutalmente.
Você pode comprar Tijucanismos aqui.
O livro segue até você carregado com o axé desse pedaço da cidade em que vivo. Um tanto alquebrada, a Tijuca - dizem os detratores. Mas verdadeira. Única. Cheia de um borogodó que só quem é daqui conhece.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
Dúvidas, sugestões, críticas? É só responder esse e-mail ou escrever para edugoldenberg@gmail.com
📩 Se você gostou do que viu aqui e ainda não assina a newsletter, inscreva-se no botão abaixo e receba por e-mail, uma vez por semana, sempre aos sábados, o Buteco do Edu. E se você achar que algum amigo ou alguma amiga pode se interessar pelo papo de botequim, encaminhe esse e-mail, essa newsletter, faça correr mundo esse balcão virtual.