CARNAVAL
Dia desses, durante os exercício matinais na praça Afonso Pena, eu, com fones de ouvido, ligado no Spotify e ouvindo os sambas de enredo do ano de 2020, dei de chorar enquanto caminhava-trotava-corria. Foi, bem me lembro, na hora da abertura do samba da Grande Rio que louva Joãozinho da Goméia. Os olhos encheram d´água e o cérebro rapidamente processou que a emoção se devia ao fato de que, debaixo da canícula de janeiro, não teremos Carnaval em 2021.
Não bastasse o não-teremos-Carnaval-em-2021, há um agravante: o Carnaval de 2012 foi nosso primeiro Carnaval juntos, eu e Morena. De lá pra cá, 9 Carnavais (o décimo seria agora, em 2021). O Carnaval foi uma espécie de amálgama pra nós. O que significa dizer que a cada ano renovávamos a energia que, há 9 anos, nos encantou.
Não teremos Carnaval significa também, aqui pra nós, que não teremos os blocos infantis que antecedem os quatro dias oficiais de folia, que não teremos o tradicional Café da Manhã do Bola Preta na Maison Goldenberg & Piana (na foto abaixo, um registro do último, em janeiro de 2020), não teremos o desfile do Cordão da Bola Preta (o ápice do tríduo momesco), os blocos de rua, os desfiles no Sambódromo, não teremos a alegria infernal que nos redime ano após ano, nem tampouco a Feijoada da Apuração (que também acontece na MG&P) e o Desfile das Campeãs na Marquês de Sapucaí.
Antes de seguir, faça-se o registro. Estão na foto: eu, sentado, Etienne e Luasses, Morena com Leonel no colo, Rodrigo Vianna, Flávio Gomes, Laene, Clara e Teresa no colo do Thales.
Esses cafés da manhã dos Sábados de Carnaval, quando o Bola Preta explode no Centro do Rio, são de antologia: pães de tudo quanto é tipo, ovos mexidos, bacon, frios, queijos, manteigas, espumante em quantidade industrial, um arsenal de badulaques e de feérica aparência que a Morena monta pra que todo mundo que queira tenha um camarim pra se produzir pro Bola.
Não vai ter nada disso em 2021.
Mas eu tenho uma boa história pra lhes contar sobre o Carnaval 2020.
Estávamos na Sapucaí, em um camarote (foto abaixo), pro Desfile das Campeãs.
Camarote, aquela fartura, a alma pedindo exagero por ser o último dia antes da vida voltar ao normal, e comecei a beber, de leve (mentira), muito antes da primeira escola pisar na avenida (até porque chegamos cedíssimo a fim de pegarmos uma mesa de cara pro gol).
A Mangueira abriu o desfile - a escola da Morena. Em seguida, o Salgueiro, a minha escola. A Beija-Flor de Nilópolis foi a terceira. Até que veio, e já chovia cântaros, a Mocidade Independente de Padre Miguel. A Mocidade que homenageou a mítica Elza Soares. Eis a cena.
— Morena! Morena! - eu acenando pra dentro do camarote.
— Oi! - ela, de longe.
— Lá vem a dona Elza! - e eu já chorando.
Ela fez um “tá, já vou” com as mãos.
Eu já coberto pela capa plástica distribuída para os convidados do camarote, sambando com uma ginga que só eu tenho, esperava aflito a chegada da Elza.
“Laroiê ê mojubá, liberdade! Abre os caminhos pra Elza passar! Salve, a Mocidade!”, eu cantava acompanhando a escola. Até que avistei dona Elza. Urrei:
— Morena, Morena, agora é ela!
Vem a Morena.
“Essa nêga tem poder, é luz que clareia, é sangue que corre nas veias!”
Eu gania apontando pro carro alegórico, copo de uísque na mão, e a Morena, tranqüilíssima:
— Edu, aquela não é a Elza.
Tomei como ofensa. A chuva cada vez mais forte, o uísque cada vez mais farto, a bateria passando diante de nós, a emoção à flor da pele, eu acenava e gritava o nome da cantora.
“Lá vai menina, lata d’água na cabeça, vencer a dor, que esse mundo é todo seu… Onde a água santa foi saliva pra curar toda ferida que a história escreveu…”
Elza se aproximava. Eu fazia sinal pros garçons, pedia mais uísque. A Morena gritou debaixo da marquise:
— Edu do céu! Olha a cor da pessoa, não é a Elza!
— São os holofotes! É ela, é ela!
E chorava. Acenava. Passei a ser a atração do camarote. O comovido diante da icônica Elza Soares. Até aceno de volta eu recebi de tanto que eu abanava os braços, saltando ao ritmo da bateria do Mestre André e parecendo um daqueles bonecos de posto de gasolina.
No dia seguinte foi duro ler a manchete (aqui).
O momento virou história centenas de vezes contada.
GOLDENBERG & PIANA OU SALGUEIRO & MANGUEIRA
Fevereiro de 2016.
Chegamos em casa exaustos do Desfile das Campeãs e o telefone acusou: e-mail.
Era do fotógrafo Fábio Rossi - com o título GOLDENBERG & PIANA OU SALGUEIRO & MANGUEIRA - que nos flagrara na avenida depois da última escola, com seis fotos espetaculares que dizem muito sobre nós dois.
Generosidade dele mesmo. Chamou por mim, fez as fotos, deu um aceno e o e-mail foi mais que uma boa surpresa, foi o registro das mais bonitas fotografias nossas na Passarela do Samba.
Abaixo, MINHA TRIBO, que será, como já lhes contei, coluna permanente no Buteco do Edu. Nela, como estufa de balcão, vou exibir os meus e as minhas que merecem, é como penso, a atenção de vocês que me lêem. Gente que ~produz conteúdo~ (peço desculpas), gente que faz valer a pena o tempo despendido vendo, ouvindo, lendo o que gente da minha tribo faz. Aqui, na primeira edição, falei de Julio Bernardo, o Julinho.
MINHA TRIBO
A segunda edição da MINHA TRIBO falará de Luiz Antonio Simas - e já lhes adianto que trata-se de tarefa inglória de tão difícil que será (na mesma medida em que será prazeroso).
Conheci o Simas no segundo semestre do ano de 2006, na livraria Folha Seca. Até então nunca havíamos trocado palavra, e eu guardo com carinho o print da primeira vez que mantivemos contato - virtual. Foi quando ele deixou, em 18/08/2006, seu primeiro comentário no meu velho blog (imagem abaixo).
E de fato foi o que se deu: eu e Simas nos identificamos de imediato por conta das tais campanhas cívicas a que ele se referiu. Vizinhos (não tanto quanto hoje, quando moramos separados por três andares), começamos a conviver mais amiúde.
A primeira foto que tenho dele é a que está abaixo, 23/09/2006, durante churrasco feito na casa de meu irmão mais velho, na rua Dona Maria, numa encruza entre a Tijuca, o Maracanã, Vila Isabel e a Aldeia Campista.
O Simas é, eu disse isso recentemente a um jornalista (Bruno Ribeiro) que me pediu depoimento sobre ele, um gênio absoluto: nasce um Luiz Antonio Simas a cada 100 anos. Professor, ele escreve, compõe, faz letra, faz música e sobretudo pensa. E quando pensa, e quando transforma em verbo o que pensa, transforma-se numa entidade que assombra pela força que tem. Não exagero.
O Simão (que é como meu maragatinho o chama) tem mais de 20 livros publicados e um portentoso a ser publicado em breve pela Mórula, uma espécie de biografia do Maracanã. Dezenas de canções compostas, muitas delas já gravadas por nomes importantes da música brasileira. Uma potente usina criadora.
Vocês encontram livros do Simas, pela Mórula, aqui. Pela Record, aqui. E tem mais!
E as canções do Simas? Aqui você ouve a que ele fez pra Ossain, numa gravação feita por mim no dia 05 de fevereiro de 2012, numa porranca lá em casa, só nós dois, Candinha e Benjamin, com menos de 2 anos de idade. E já que falei em “lá em casa” e “Benjamin”, uma curiosidade: o moleque começou a nascer lá em casa - no mesmo apartamento em que gravei esse vídeo em 2012. Almoçávamos quando Candinha pediu licença e foi ao banheiro. Como demorava, Simas foi até lá:
— Tudo bem aí, Cândida?
— Tudo, Luiz Antônio. Estourou a bolsa!
Pouco tempo depois, num gesto que me comoveu brutalmente, Simas me concedeu a honra de ser padrinho-de-rua do moleque Benjamin.
Simas foi gravado, recentemente, pela Fabiana Cozza. Aqui você ouve uma delas, Ogã de Ogum, parceria dele com Moyseis Marques.
Há um disco inteiro com composições suas, gravado pelo Lucio Sanfilippo, que pode ser ouvido aqui.
E tem mais! Mas voltarei ao fio.
Pouco depois de conhecê-lo - e sempre que conto essa história digo que Candinha, sua companheira, pode confirmar - disse a ele, sem medo do erro, que ele seria um sujeito tão importante quanto Ariano Suassuna, correndo o Brasil pra encantar nosso povo com sua fala impactante (o homem tem um carisma que vou te contar).
Não precisou de tanto tempo assim.
Quando Simas vai falar, e anuncia que vai falar, há sempre um número impressionante de pessoas dispostas a ouvi-lo por horas a fio.
Eu tive a sorte de, mais do que conhecê-lo, como já disse, me afinar com ele.
Eu disse que falar sobre o Simas seria difícil.
Vivi com ele histórias de não se esquecer (e anseio por contá-las ao meu filho). E vou exibir na estufa virtual do buteco alguns desses momentos, que são muitos.
Em 2007, vivíamos no Rio-Brasília, portentoso buteco na Almirante Gavião, onde hoje fica o não menos portentoso Bar Madrid. Dois grandes momentos: aqui, ele cantando o hino de Portugal depois de um dia inteiro à base de cerveja e maracujá. E aqui, final de noite, o bar já quase fechando, comigo, com Fernando Szegeri e com Beth Carvalho, cantando Evocação nº 1.
Foi com ele que fiz, em 27/07/2010, uma entrevista espetacular com a Beth Carvalho, que ela considerava a mais completa por ela concedida - na íntegra, aqui (fizemos também com Wilson Moreira e com João Bosco).
Entre 2009 e 2011, aos domingos, comandávamos uma mesa que começava no quintal do Aconchego Carioca antes do bar abrir e que terminava na esquina da Afonso Pena com a Pardal Mallet, no finado Bar do Chico (o bar ainda está lá, mas desde que o dono comemorou o assassinato de Marielle Franco jamais tornei a pisar lá).
Há muito a se dizer sobre ele. Bruno Ribeiro, nosso amigo que já citei acima, disse muito aqui.
Antes de terminar, quero lhes contar mais uma coisa.
Era final de 2013 quando morreu Sandra Epega, a ialorixá que cuidava de mim, que mantinha o Ilé Leuiwyato em Guararema (SP), Luiz Antonio Simas, babalaô, passou a cuidar da minha cabeça.
E nada foi tão bonito, nessa seara, quanto ter Simão cuidando do menino por vir, Leonel.
Poucos dias antes do maragatinho nascer (e ele nasceu 3 semanas antes do previsto), Simão baixou aqui em casa:
— Ó… o moleque vem antes, hein… vai por mim. - disse coçando a cabeça.
Foi das primeiras pessoas a falar com Leonel, com um dia de vida, ainda na maternidade.
E foi ele, investido do cargo de sacerdote de Ifá, que, opelê nas mãos, com a voz embargada, anunciou pra mim, Leonel com 7 dias:
— Leonel é de Ossain!
O moleque, que é vidrado no Simão (seu olhar, na foto abaixo, não me deixa mentir), mal sabe que seu pai fica comovido feito o diabo quando os vê juntos.
Foi, como de se perceber, uma declaração de amor ao Simas.
E era pra ser isso mesmo.
Até.
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