Dirão meus detratores que eu estou velho - e que por isso, por estar velho, quase uma múmia, dou de implicar com tudo o que é novo. Repilo com veemência o que - antecipo - se dirá a meu respeito por conta do que vou lhes contar.
Há uma nova praga (nem tão nova assim, mas é de certo modo recente) que tem me tirado do sério.
Tudo, rigorosamente tudo hoje em dia, é uma experiência (e a palavra desgasta-se mais, a cada vez que é pronunciada).
Dia desses entrei, sozinho (estou apaixonado por mim mesmo, como lhes contei aqui, e tenho amado fazer programas comigo), num restaurante.
Sentei-me. E veio até mim, o garçom.
Não era exatamente um garçom, na verdadeira e clássica acepção da função: era um estudante, um universitário, em busca de, honestamente, arcar com os estudos. Mas há toda uma diferença (chocante) na liturgia.
Estendeu-me o cardápio.
Pedi um Dry Martini e uma água com gás.
Estava lendo atentamente o cardápio quando ele, o garçom, voltou com meu drink e com a água. Ajeitou a taça e o copo diante de mim, e disse:
— Já escolheu, brother? - é assim que eles tratam os clientes.
— Ainda não. - respondi constrangido.
— Posso te dar uma sugestão?
— Claro.
Ele, então, ajeitou-se (fez pose, eu diria). E apontando para uma das entradas, soltou:
— Essa experiência, um tanto cítrica… - eu o interrompi e pedi a conta.
Ele ficou sem entender nada.
Mas ouvir aquilo - experiência - me cortou o barato.
Tudo agora é experiência. Tudo.
Ninguém mais diz que gostou de almoçar no restaurante tal. Emposta-se a voz:
— Vale muito a experiência! As carnes, então…
Vira-e-mexe uma besta complementa:
— Prefiro a experiência marítima. Frutos do mar, peixes…
Mudemos o cenário.
Estava num táxi, semana passada, e mal pude acreditar no anúncio que ouvi (o motorista estava sintonizado numa rádio cujo nome não lembro). O locutor anunciava um plano funerário e encerrava o reclame dizendo que a experiência da morte seria infinitamente mais tranqüila com a assinatura do tal plano garantida.
Beira, reconheçam, o inacreditável.
Um amigo bateu o telefone pra mim por esses dias. Estava preocupado - foi o que ele disse - com a separação (separei-me, vocês que me lêem já sabem). Marcamos um chope. Cheguei na hora marcada, uma rotina, e cinco minutos depois ele adentrou o botequim. Eu estava já terminando o primeiro chope. Ele sentou-se sôfrego. Com uma das mãos, pediu dois chopes. E arfou, eu diria até que com alguma inveja:
— Como está sendo a experiência da separação?
Inventei uma desculpa qualquer e fui embora.
É tremendo o efeito manada: experiência, estou sendo repetitivo de propósito, serve pra rigorosamente tudo.
Beber um vinho, agora, é uma experiência. Comer, idem. O sujeito termina de ler um livro e dá de elogiar a experiência que foi, e a coisa vai ganhando ares de pandemia - ninguém escapa.
Hoje mesmo - escrevo na noite de sexta-feira - fui a uma cafeteria aqui em Copacabana.
Dirigi-me ao balcão e pedi:
— Um pão de queijo e um café coado da casa - como o cardápio, exposto na parede, apresentava a bebida.
A mocinha (visivelmente universitária) redarguiu:
— O senhor não quer viver a experiência de um Hario?
Fui embora sem me despedir (e, claro, sem o pão de queijo e o café).
AS NOVAS CAFETERIAS
Quem é mais velho - como eu - conhece o Café Gaúcho, no Centro do Rio. A Lolló, em Copacabana. Ou o Palheta, na Tijuca.
Três cafeterias tradicionalíssimas.
As três com balcões imponentes, onde se serve o cafezinho, o bom e velho cafezinho que o brasileiro tanto gosta.
Você chega, compra ficha - o método é o mesmo nas três - e pede o seu café, que é servido em questão de segundos.
Estão em extinção.
As novas cafeterias são diferentes.
São uma experiência diferente.
Você chega e se depara com 5, 6, 7, 8 funcionários. Todos de avental. E só há você de cliente - o salão está à mosca, no singular.
Quem te atende?
Ninguém.
A bossa, nas novas cafeterias, é testar a paciência do cliente - que não tem razão nenhuma nesses estabelecimentos.
Dizem, os que entendem do riscado (estou sendo debochado, aviso), que essa é a onda das novas cafeterias: o sujeito deve esquecer do mundo do lado de fora, do trabalho, dos filhos, das responsabilidades, deve deixar de lado o celular (eles anunciam, como se fosse uma glória!, que não há rede Wi-Fi disponível), deve pedir o café sem pressa, deve até esquecer que pediu o café, tamanha a demora, e deve bebê-lo gelado, com olhos e boca de êxtase. Deve, inclusive, pedir o autógrafo do barista que fez toda a mise-en-scène, elogiá-lo, adulá-lo e outros bichos.
O que se dá é o seguinte: você fica ali, olhos vidrados naquela quantidade de funcionários, e ninguém te dá atenção. Uns 10, 15 minutos depois (ou 20) é que se aproxima alguém.
Daí você pede um café. Assim. Simples.
— Um cafezinho, por favor.
— Aqui não servimos cafezinho. Só cafés especiais.
— Tá bem. Me vê um.
— Qual o método?
— Oi?
— De extração.
— Qualquer um.
— Pode ser coado?
— Pode.
— Hario?
— Pode ser.
— Ou prefere prensa francesa?
— Qualquer um.
Daí vem o garçom. De avental, rabo de cavalo, piercing, trazendo nas mãos uma balança, um bule, uma base acrílica, um filtro de papel, e você gemendo, ganindo, desesperado pelo seu café.
Quinze minutos depois, quinze!, o café fica pronto.
Há que se ter paciência. Muita paciência.
Você bebe o café (que estará frio).
Pede a conta.
E daí volta o universitário à mesa:
— O senhor mesmo vai até o caixa.
Lá chegando:
— Bom dia. Quanto eu lhe devo?
— Só o café, senhor?
— Só.
— Setenta e cinco reais.
— Hein?!
— Sem os dez por cento dos nossos baristas.
A SEPARAÇÃO PELA ÓTICA DO CTI
Estive na Tijuca recentemente.
Fui até o CTI das Almas, o tremendo pé-sujo vizinho ao prédio em que morávamos e onde até hoje mora meu dileto amigo Luiz Antonio Simas.
Roberto, o dono:
— Tá sumido, doutor! Dona Frávia, como está? E Leonel? Desde que foi pra Copacabana nunca mais veio aqui…
— Tudo bem, Roberto. Nós nos separamos, mas tá tudo ótimo. E Leonel tá enorme!
Ficamos ali de papo - o quê?! - por quase uma hora e ele não conseguindo disfarçar o assombro diante da novidade.
Em menos de uma semana recebi diversas mensagens de diversos amigos e amigas da região.
Todos relatavam a mesma coisa.
Roberto deu um jeito de abordar um por um.
E pra todos dizia:
— Tá sabendo do Edu?
Os amigos, pra não decepcionarem o Roberto, mentiam:
— Não. O que houve?
— Separou! Separou! Eu sabia que ia der ruim esse negócio do seu Eduardo e da dona Frávia irem pra Copacabana. Mudaram e ó, separaram logo. Não tinham que ter saído da Tijuca!
Tijuca, meus caros, em estado bruto.
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores (são, até o momento, 2.840 assinantes desta newsletter), a playlist que montei, há pouco, no Spotify.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e traz as canções que mais me marcaram nesses 54 anos - e ela está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
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