MAIS SOBRE BOTAFOGO
ou as incríveis reações dos leitores e suas impressões sobre o bairro
“Há muito que Botafogo deixou de ser um bairro.
Botafogo é, hoje, um camarim.”
Assim abri o texto de semana passada, que pode ser lido na íntegra aqui.
Há tempos que um texto publicado por mim não gerava tanta reação.
Leitores e leitoras, se valendo de e-mails e de mensagens enviadas pelas mais variadas redes sociais, não esconderam a euforia e rasgaram os mais agudos elogios ao que lancei ali, naquelas linhas que pretenderam ler (há uma tribo que adora isso) a alma dos moradores e dos freqüentadores de Botafogo, outrora um bairro mais apagado que o Grajaú.
Hoje é um Grajaú com mais bares e com mais restaurantes.
Disse eu, também, à certa altura do texto:
“Percebi, à certa altura, que meus olhos e os olhos da Marianna faziam os mesmos movimentos, miravam as mesmas coisas, sem que nada disséssemos um ao outro. Até que soltamos o verbo expondo o alvo de nossos olhares. E gargalhamos de fazer tremer a assistência.
Toda a assistência, homens e mulheres, usava roupas visivelmente compradas em brechós. Não havia ali uma única peça de roupa, um único calçado, comprado numa loja dessas comuns de marca, de grife, nada disso.
A impressão que me dava é que havia cabideiros e cavaletes com roupas penduradas dentro dos banheiros, de onde as pessoas saíam com ares de século passado.
Um rapaz que nos atendia usava uma calça tamanho pelo menos três vezes maior que o adequado. A cintura da calça na altura do peito, um cinto fino que não ornava, uma camisa de bolinha muito antiga, meio amarelada já, um sapato imenso e era batata: quase todas as mulheres que foram chegando rasgavam elogios ao look do rapaz - look era a palavra que elas usavam.
Eu, me sentindo uma múmia, achava tudo aquilo incompreensível.
Havia gente usando um sapato de cada cor, bolsas que eu reconhecia porque minha bisavó usava idênticas nos anos 70, um cheiro de laquê que me fazia tossir e que se misturava à neblina da ganja que escapava de dentro dos banheiros.”
Um dos leitores, talvez o mais eufórico, deu de me mandar mensagens de voz com relatos incríveis dando conta do que passara em Botafogo na última semana.
Sentara-se à mesa, certa noite, com a namorada, num desses bares descolados de Botafogo (na região que os descolados chamam de Bota Soho, vejam que patético).
Notaram, os dois, em pouco tempo, que eles eram objeto de observação minuciosa por parte dos locais. E os locais eram locais mesmo. Cumprimentavam garçons e garçonetes com beijos, abraços, um ar de intimidade que contrastava com a primeira vez do casal naquele lugar.
Veio um local à mesa.
— Oi, vocês tem fogo?
— Não fumamos.
— Não?! - o choque foi externado em alto volume.
— Não.
— Nem um tabaquinho?
— Não.
— Vocês são heteros?
— Desculpa. Não entendi.
— Vocês dois. São heteros?
— Sim.
Saiu gargalhando, o local (logo depois descobriram que se chamava Olavo, o local).
Pouco depois Olavo voltara à mesa com o tabaquinho aceso.
— Como assim, gente? Heteros?
Vejam.
Foram quase ofendidos, ultrajados, humilhados os dois namorados.
Havia, na assistência presente, um permanente ar blasé, uma profusão de roupas de brechó, pernas que se misturavam diante dos bancos de madeira (há muitos móveis horríveis de madeira nos bares de Botafogo, quase um padrão cenográfico), dezenas de orelhas com brincos, narizes com piercing, cabelos coloridos, unhas pintadas de preto e descascadas, conferindo um ar desleixado às mãos decoradas, muita gente fumando tabaquinho, muita gente soprando fumaça pro alto num gesto tão patético quanto démodé.
E aquele casal ali, alvo das gargalhadas e do preconceito da turma local.
Turma que, diga-se, adequava-se ao cenário: como já lhes disse, muitos móveis simples de madeira, uma quantidade inconcebível de plantas (muitas samambaias), peças muito antigas expostas nas prateleiras empoeiradas conferindo ar cult ao ambiente.
Volto ao tema.
Porque Botafogo é, hoje, uma profusão desses cenários.
É quase um Projac.
MAIS SOBRE A SLOW BAKERY
Uma queridíssima, que me pede omitir seu nome, contou-me (após a leitura do texto da semana passada) episódio vivido por ela mesmo na Slow Bakery em Botafogo.
Acordou, certo sábado, e teve o lampejo: vou levar mamãe pra conhecer a Slow.
Notem que o lampejo evidencia que ela, minha amiga, gosta da famosa padaria de Botafogo (não se pode chamar a Slow Bakery de padaria porque os fãs da padaria ficam irritadíssimos - mas é, é evidente que é, uma padaria).
Gosta e gosta muito.
Por isso o desejo de apresentá-la à mãe.
Chegam as duas.
Mentira: a mãe chegou um pouco antes (não moram juntas) mas ao pedir mesa para dois foi olhada com nojo pela garçonete que disse que havia uma fila enorme e nenhuma previsão de tempo para atendê-la.
Fato é que as duas, mãe e filha, se sentaram uma hora e quinze depois.
Minha amiga:
— São dois cafés coados, por favor, e dois croissants com presunto e mostarda.
Uma hora depois chegou o pedido.
A mãe espichou o pescoço pra dentro da xícara.
Disse na lata, pra garçonete com piercing de argola nas narinas:
— Pouco e fraco, né? Pode me trazer açúcar?
A mocinha transtornou-se, parecia um touro numa arena em Madrid.
Bufava, arrastava a sola do chinelo que usava no chão e disse, se controlando:
— Por que a senhora não toma sem açúcar? A senhora vai perceber que não precisa, que esse grão proporciona a experiência de um café adocicado...
Olhou pra filha, que fez que sim com a cabeça sugerindo que a mãe aceitasse a proposta da mocinha.
A garçonete não arredou pé.
Parecia que ia haver a cobrança de um pênalti.
Um golinho só, a mãe bicou o café.
Franziu a testa, forjou um arrepio, tremelicou o rosto.
Pousou a xícara na mesa.
— Me traz o açúcar?
A mocinha, indignada, voltou quarenta e cinco minutos depois com o açucareiro e já não encontrou ninguém à mesa - somente as xícaras, uma delas cheia.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, o texto Tijuca em estado bruto - parte IX, publicado em 27 de setembro de 2008, há mais de 15 anos.
“A família tijucana tem, com seu médico (que é, imprescindivelmente é, o médico da família), uma relação visceral, de dependência emocional até – eu diria. A minha, é claro, tijucana que é de forma aguda, tem o seu. E tem o seu, quero lhes dizer, desde os anos 40.
Estive em seu consultório esta semana. Eu disse em seu consultório, mas fui atendido por seu filho (também já o fui por seu neto!!!!!). O doutor Lauro é, até hoje (está vivo, vivíssimo, mas não clinica mais), uma espécie de mito da família. Seu consultório, portanto, que fica – creio ser desnecessário dizer – na Tijuca, é uma espécie de Meca para a qual se voltam, meus parentes todos, a cada febrinha, a cada tosse, a cada problema qualquer de saúde. Seu filho e seu neto atendem, evidentemente, no mesmíssimo consultório, que é humilde e simples como a morada de um franciscano. Vou lhes contar a origem do mito.
Meus irmãos, o Fefê e o Cristiano, são testemunhas oculares e auditivas do que vou dizer. A história, que passo a lhes contar, nós já ouvimos milhares de vezes. E não, meus poucos mas fiéis leitores, eu não estou exagerando, como pretendem, sempre, os que têm mania de me denegrir, fazer parecer. Vovó Mathilde e mamãe – principalmente as duas, embora papai seja um dos mais fanáticos pelo doutor Lauro – repetem sempre essa história, com os olhos espetados pra fora, com as mãos em atrito como se o suspense fosse inédito, com a respiração ofegante, com a voz alterada, com o pranto semi-pronto esperando a comoção do ouvinte.
Antes, porém, um detalhe.
Quando, durante um almoço de família qualquer, alguém, por acaso (não há acaso, na verdade, o nome dele é SEMPRE lembrado) cita seu nome, vozes em côro repetem:
– Trata da Mariazinha desde que ela tinha três anos!
Pois bem: mamãe tinha três anos e ardia em febre na casa da Gonçalves Crespo. Vovó e vovô, minha bisavó e meu bisavô, a parentalha toda (moravam todos na mesma casa!), revezava-se na novena que ardia na sala (vovó não era, ainda, a espírita convicta que é hoje), passando os terços de mão em mão, na esperança de uma solução.
Havia um desfile de automóveis na porta de casa, dos quais saltavam médicos portando maletas, estetoscópios e termômetros – doutor Oscar, doutor Borborema (cujo nome revi, anos depois, num romance do Nelson Rodrigues), doutor Benevenuto, doutor Jacinto, e muitos mais.
Os diagnósticos eram díspares, os remédios não surtiam efeito, os dias se passavam com mamãe ardendo como um círio numa catedral em ruínas (apud Vinícius de Moraes), até que minha tia Linda, irmã de vovó, que – católica apostólica romana de fazer o Santo Papa parecer um ateu relapso -, em transe mediúnico (ninguém desconfiava, naquela casa, àquela época, o que fosse isso), disse:
– Chamem um homeopata!
Houve uma vaia coletiva em acintoso desrespeito com o ambiente tenso que assaltava aquele lar em aflição. Meu bisavô, que era a palavra mais ouvida naquela casa, disse:
– E por quê não?
Todos concordaram, em segundos, e foi um corre-corre em busca do nome de um homeopata.
Foi tia Linda, ainda debruçada sobre a mesa da sala, com a voz embargada, que disse para surpresa de todos:
– Chamem o doutor Lauro.
E disse o número de um telefone.
– Linda enlouqueceu! – gritou tio Hique.
– Lelé, coitada! – emendou tio Sílvio.
– Estou muito mal parado… – lamentou tio Beneval, seu marido.
E meu bisavô:
– Chamem!
A questão é a seguinte: os diagnósticos eram – como eu lhes disse – díspares. Falou-se em sarampo, em coqueluche, em rubéola, em escarlatina, até em caxumba, diagnóstico dado por um médico ligeiramente alcoolizado chamado às pressas.
Meu bisavô foi ao telefone e, cercado pelos filhos (do mais velho para o mais novo, Francisco, Sílvio, Carlinda – já refeita do transe -, Mathilde e Carlos Henrique), bateu o telefone pro tal médico.
Em nome da precisão, devo lhes dizer que não estão na lista acima a Silvinha (morta com cinco dias de vida), a Mariazinha (morta aos 15 anos, de quem mamãe herdou o nome e o pânico por festas de debutante, um dia desses lhes conto sobre isso) e o Pedrinho, que chegou depois.
Eis o que a parentalha pôde ouvir:
– Boa noite, doutor Lauro. Precisamos urgente que o senhor nos faça uma visita domiciliar! Mariazinha, minha neta, está mais pra lá do que pra cá!
Houve uma balbúrdia à qual ele pôs termo com uma pisada vigorosa nas tábuas do piso.
– Não, doutor Lauro. Não sabemos. Há vários diagnósticos. Mas a menina não melhora. E a febre está na casa dos quarenta e um graus!
Novo princípio de tumulto e um grito ao telefone:
– Como graças a Deus, doutor Lauro?!
Vovó teve um princípio de desmaio, meu avô anunciou que mataria o tal médico à bala, e meu bisavô continuou:
– Tome nota! Tome nota!
E passou o endereço ao doutor Lauro.
– O quê te pareceu, Eugênio? – minha bisavó com o terço nas mãos.
– Diga, papai! Passou-lhe confiança?
Ele deu de ombros e sentou-se – todos se sentaram – à espera do doutor Lauro.
Uma hora depois, soa a campainha.
Meu bisavô faz um sinal e anuncia que vai sozinho ao portão. Dá de cara com um rapaz novo, bonito, até – vovó sempre elogia a beleza plástica daquele médico em sua primeira aparição – , formalmente vestido, uma pequena maleta numa das mãos e um sorriso sacrossanto no rosto plácido. Cumprimentaram-se e doutor Lauro foi levado à sala:
– Doutor Lauro? Esta é minha filha, Mathilde, e esse é meu genro, Milton, os pais da Mariazinha. Eles irão acompanhá-lo à câmara mortu…
Minha bisavó soltou um “oh” agudíssimo e meu bisavô, depois de um poderoso pigarro, consertou-se:
– … ao quarto, doutor Lauro. Boa sorte.
A família sempre usa essa imagem: nem na Copa de 50, depois do fiasco da Seleção Brasileira diante do Uruguai, viu-se tamanho silêncio, tamanha depressão, tamanha ansiedade pelo que viria. Os minutos se passavam e apenas a tosse de minha mãe interrompia o silêncio.
Uma hora depois saem do quarto meus avós e o doutor Lauro.
– E aí, doutor?! – um sôfrego Eugênio, de pé, perguntou – Como está minha neta?
– Graças a Deus está bem, senhor Eugênio. O que a Mariazinha tem é tifo.
Foi um deus-nos-acuda.
Médicos experientes haviam passado por ali, catedráticos, donos de laboratório, e ninguém dissera a palavra “tifo”.
– Tifo? – o côro de vozes.
– Ela vai ficar boa, senhor Eugênio!
– Já estou com os nomes dos remédios, papai! – disse vovó, esperançosa.
– Vamos? – disse meu avô.
Doutor Lauro se comprometera a ir até a casa do farmacêutico e de lá até à farmácia (tudo na Tijuca!!!!!) para o preparo dos medicamentos. Passava das dez da noite.
À meia-noite em ponto entra em casa meu avô trazendo os remédios homeopáticos, doutor Lauro a seu lado, e ele explica, com tranqüilidade comovente, à toda a família, o modus operandi do tratamento homeopático.
Vovó o acompanha até o portão:
– E quanto lhe devemos, doutor Lauro? Oh, estou tão grata…
– Nada, dona Mathilde. Fiquem com Deus… – e estendeu para minha avó, tirando-o da pasta, um exemplar do Livro dos Espíritos.
A família passou a noite se revezando na administração das duas bolinhas, alternadas, de quinze em quinze minutos, e já pela manhã minha mãe, suando em bicas, não tem mais febre.
Em questão de dias, depois de desenganada, mamãe estava boa, sarada, serelepíssima.
E vovó, para sempre, fanática pela devoção, pela dedicação, pela competência e pela grandeza do doutor Lauro.
Começou assim, meus poucos mas fiéis leitores, a história que une minha família a esse grande médico (fiz brevíssima e discretíssima menção a ele, aqui).
Há mais, muito mais para lhes contar sobre o assunto. Aguardem.
Até.”
HOTEL GLÓRIA, UMA GLÓRIA CARIOCA
Em janeiro de 2016, a pedido do jornal O Estado de São Paulo, escrevi um texto sobre o Hotel Glória, à época posto à venda pelo empresário Eike Batista. Por inúmeras razões, o texto foi publicado com pequenos cortes. Ei-lo, aqui, na íntegra.
“O Rio de Janeiro, icônica cidade brasileira, a Cidade Maravilhosa, é o que é hoje - reconhecida nos quatro cantos do mundo como uma das mais belas cidades do planeta - apesar de todos os pesares que, ao longo de seus 450 anos de história, comemorados no ano passado, a vitimaram. Pesares que são como flechas cravadas no peito de seu padroeiro, São Sebastião, louvado no dia 20 de janeiro próximo. Flechas que, ironia das ironias, são diariamente retiradas do peito ferido da cidade, num movimento permanente, num ciclo quase esquizofrênico, de descobrir e esquecer, construir e destruir, morder depois de assoprar e, por fim, lamber os próprios lábios ciosa de sua importância e de seu significado. A Cidade Mulher.
São muitos, os pesares. Muitas, as perdas. Mais recentemente, quando já não era a Capital da República Federativa (para muitos, deixar de ser a Capital Federal significou o início de um desmonte, de uma decadência que, convenhamos, nunca chegou a ser efetiva), perdemos - dizem os mais puristas - o Maracanã. O bom e velho Estádio Mário Filho, amplamente reformado por conta da realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, deixou de ser, na visão desses puristas, o bom e velho Maracanã. Eu, e talvez seja excesso de otimismo de minha parte, não concordo com isso. O Maracanã, vá lá, perdeu um pouco do seu charme quando perdeu a geral, as arquibancadas de concreto, a faceta popular que caracterizava como o Maior do Mundo. Mas, eis aí a corda na qual me agarro, jamais deixará de ser o gigante que se calou em 1950 porque é ali, às margens do Rio Maracanã, vizinho da Estação Primeira de Mangueira e do Boulevard 28 de Setembro, a avenida que corta o legendário bairro de Vila Isabel, que estão plantados e assentados, para todo o sempre, o axé e os fundamentos que fazem com que permaneça, intacta, a lenda que atende pelo nome de Estádio Mário Filho.
O mesmo ocorre - e o tema me ocorre por conta justamente de mais uma operação de venda de um edifício histórico no bairro da Glória, zona sul da cidade, e que hoje é apenas escombro e saudade - com o Hotel Glória, o primeiro prédio inteiramente construído em concreto armado da América do Sul e o primeiro a receber a classificação de cinco estrelas no Brasil, inaugurado em agosto de 1920 visando os festejos de 1922 pela passagem do primeiro centenário da Independência do Brasil. Foram três, os hotéis construídos nesse mesmo período por conta da efeméride (o Hotel 7 de Setembro, o Copacabana Palace e, justamente, o Hotel Glória) que foi a Exposição do Centenário da Independência de 1922.
E se o Copacabana Palace foi documentado à altura (e está vivo, ainda lá, na Avenida Atlântica), o Hotel 7 de Setembro e o Hotel Glória não mereceram o mesmo zelo quanto à preservação de sua memória.
Fechado em 2000, dois anos depois da morte do paulistano Eduardo Tapajós (que o adquirira em 1949), o Hotel Glória, já em franca decadência, foi vendido para os grupos econômicos capitaneados pelo empresário Eike Batista em 2008. Este, por sua vez, com altas doses de megalomania, pretendia reformar o Hotel Glória para devolvê-lo à cidade, glorioso e altaneiro, para a Copa do Mundo de 2014. Ocorre que Eike também experimentou a decadência muito antes de dar início às reformas que pretendia. Resultado? Houve tempo, apenas, para derrubar o Hotel Glória, mantendo sua fachada inteiramente intacta - uma triste carcaça. Hall, corredores, quartos, a suntuosa piscina, suas escadarias, os seis painéis pintados, na década de 60, pelo ceramista português João Martins, tudo foi impiedosamente destruído pela sanha dos delirantes compradores do hotel. A velha força da grana que ergue e destrói coisas belas.
Paira no ar, entretanto, que o que restou do Hotel Glória será posto à venda mais uma vez. Isso porque Eike Batista já vendera o Hotel Glória a um fundo de investimento suíço que, por sua vez, desistiu do negócio e, após formalização de um acordo, manteve o imóvel nas mãos do empresário.
Mantenho, pois - era o que queria lhes dizer - com relação ao Hotel Glória, a mesmíssima postura de esperança e - por que não? - de fé que tenho com o Maracanã.
O axé (ou a energia vital, como queiram os senhores e as senhoras) do Hotel Glória ainda está lá, em meio à carcaça mal cuidada e por trás dos tapumes que guardam os escombros abandonados por quem pretendia reerguê-lo.
O alarido dos congressos, das formaturas, da boate Béguin (pronunciava-se beghèn, nos conta Ruy Castro em seu mais recente livro, A noite do meu bem, Cia. das Letras) - que teve como primeira estrela Dolores Duran e por onde passaram - vão tomando nota! - Dick Farney, Johnny Alf, Garoto -, tudo continua lá. A barbearia, que teve como cliente, ainda menino, o legendário carioca Álvaro Costa e Silva - e me permitam contar-lhes uma história.
Dentre as tantas lendas que cercam o Hotel Glória, uma envolve justamente Álvaro Costa e Silva, o Marechal, e a estrela Ava Gardner, estrela da mais alta grandeza do panteão de Hollywood.
Corria o ano de 1954 e Getúlio Vargas já havia se suicidado (no Catete, a poucos passos do bairro da Glória). Ava Gardner veio ao Brasil, trazida pela United Artist, para promover seu mais recente filme, The Barefoot Contessa, aqui traduzido como A Condessa Descalça.
O primeiro contratempo deu-se já no aeroporto internacional do Rio de Janeiro. A multidão que a aguardava no saguão do aeroporto rompeu a barreira policial e invadiu a pista. Na primeira entrevista, ainda no aeroporto, reclamou do que chamou de "mãos bobas" dos cariocas que, afoitos, não seguraram a linha diante daquela que ficou conhecida como "o mais belo animal do mundo", epíteto cunhado por Jean Cocteau, poeta e cineasta francês.
O segundo contratempo foi justo no Hotel Glória, que havia sido reservado para a estrela. Lá chegando, Ava Gardner, contrariada, alegando não ter gostado de suas instalações, exigiu ser transferida e hospedada no Copacabana Palace.
É aí que entra Álvaro Costa e Silva que até hoje sente saudade dos tempos de ouro do Hotel Glória. Saindo da barbearia do Hotel Glória naquela tarde de 1954, ainda um menino, Alvinho - como era conhecido - impressionou-se com a beleza brutal de Ava Gardner. Alvinho não se conteve. Repetiu, sozinho, o gesto da multidão no aeroporto que tanto irritara Gardner. Foi, é o que ele jura, determinante para que ela exigisse trocar o Glória pelo Copacabana Palace.
Lendas e histórias. Isso, não há quem destrua.”
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
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UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, a playlist que montei, há umas semanas, no Spotify.
Nas últimas edições eu já indiquei a playlist a vocês, que me lêem.
Mas eu a incrementei.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e traz as canções que mais gosto e que têm a cidade do Rio de Janeiro como referência - e ela está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
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