Dia desses recebi gentilíssimo e extenso e-mail de um de meus poucos mas fiéis leitores, de nome Vinicius - o que não é exatamente incomum já que, graças aos deuses, quem me lê costuma relatar experimentar uma certa intimidade comigo. E eu, faço aqui a confissão pública, gosto bastante disso.
Aliás, diga-se desde já, a troca de mensagens com quem me lê é algo que me acompanha desde sempre, desde há muito tempo!, e eu sempre procuro responder a quem me escreve porque considero um gesto incrível, esse de manter vivo o contato entre as duas pontas dessa relação curiosíssima - e por tudo curiosíssima.
Meus leitores e minhas leitoras são, em certa medida, tão derramados e tão hiperbólicos quanto eu - e eu também gosto bastante disso.
Agora há pouco mesmo, estava eu a escrever este texto, e um sujeito escreveu lá no Twitter (minha conta lá está aqui):
“Recomendo muito a assinatura da news do Edu Goldenberg. O problema é que você vai lendo, vai lendo, e começa a achar que mora na Tijuca, que é parente do seu Isaac, que é amigo do Luiz Antônio Simas, começa a se sentir parte dos acontecidos do Edu.”
E eu vou, durante esse processo, que já me rendeu amizades que se solidificaram ao longo dos anos (cito, aqui, em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades, Camila Ludwich, Daniel Ludwich, Marianna Araujo, Octávio Zanon, e há muitos outros), alimentando esse ímpeto que me lança sobre o papel vazio a fim de fazer confissões, as mais despudoradas, a fim de expulsar de mim o que me atormenta, a fim de enfrentar “meus fantasmas e meus demônios rasgando a minha alma diante da assistência eufórica e atônita a fim de que todos acompanhem meu holocausto, minhas festas e meus dramas, minhas conquistas e minhas derrotas, minhas vitórias e meus fracassos, meus começos e meus fins.”, como lhes contei na semana passada, aqui.
Por isso, muitas vezes, inclusive, publico na conta do Instagram (aqui) trechos do que me escrevem com a mesma legenda: é por isso - também por isso - que escrevo.
Vamos ao trecho do e-mail do Vinicius sobre o qual quero me debruçar:
“Como disse, acompanho os seus textos há algum tempo (ao menos desde 2021) e há pouco menos o seu Instagram. Minha esposa está grávida e sua conexão com o Leonel me faz sonhar em ter o mesmo com o Pedro, que nasce no início do ano que vem. Estou ao mesmo tempo em êxtase e paralisado. Serei um bom pai? Um bom amigo? Será que o Pedro vai me amar, mesmo com todos os meus vícios e defeitos? O que vem depois? Como pode ver sou/estou extremamente ansioso e aflito. Seus textos e seu carinho com o Leonel, sua abertura a completos desconhecidos, me acalmam e me dão uma leveza e otimismo. Obrigado.”
Fiquei, faço aqui a segunda confissão da hora, comovido.
Não conheço o Vinicius, é bastante provável que eu vá conhecê-lo, mas sabê-lo às vésperas de ser-pai, sabê-lo ansioso e aflito (os adjetivos são dele), e saber que minhas referências (muitas, sempre) ao Leonel o acalmam e dão a ele leveza e otimismo (novamente me valho das palavras dele), tudo isso me deixou comovido e reflexivo. Muito porque não sou exatamente um sujeito leve ou mesmo otimista.
A foto abaixo, tirada minutos depois do nascimento do piá, é a minha primeira foto com ele. Eu estava chorando - ainda estava chorando porque chorei tão logo nasceu, o maragatinho. E estava tomado por uma enxurrada de sentimentos sobre os quais nunca, nesses mais de cinco anos, me debrucei a fundo. Graças ao e-mail do Vinicius irei fazê-lo - ou ao menos tentar fazê-lo.
Desde que Leonel nasceu passei a ter um pânico dentre tantos pânicos que chegaram junto com ele: o de parecer um coach insuportável ao falar sobre a gravidez, sobre o tempo de espera, sobre o parto, sobre a paternidade, sobre o dia-a-dia e outros bichos. O de passar a ter um tom professoral na hora de dissertar sobre minhas experiências (o termo, desgastado, aqui está bem aplicado). O de dar conselhos ou de fazer apologia disso ou daquilo. É tudo tão particular, tão íntimo, é tudo tão arraigado ao que há de mais arraigado em cada um de nós, que essa mínima possibilidade de parecer um chato - e sobretudo um chato - me deixava, repito, em pânico.
Mas vamos ao que quero lhes contar.
Antes de qualquer coisa, e como contara ao Julio Bernardo em nossa troca de cartas que resultou no livro De hoje não passa (você pode comprá-lo aqui):
“Mas preciso lhe dizer uma coisa: todos os clichês que sempre ouvi a respeito dos filhos são verdadeiros e, de certo modo, econômicos e comedidos. Que puta experiência, até o momento! Ainda não sei ao certo o que sinto, sabe? Mas tê-lo nos braços, os olhinhos diante dos meus, é uma emoção tão intensa, tão diferente de tudo que já experimentei até hoje, que não sei que nome dar ao que sinto: é mais que amor. Quando eu descobrir, prometo, te conto.
O pequeno maragato, que há de ter orgulho do nome que carrega (não vejo a hora de sentar-me diante dele pra contar sobre o Brizola), nasceu de parto natural e foi, o parto, a coisa mais bonita a que jamais assisti em quase 50 anos de vida. Flávia, que é sua fã e te adora (você sabe disso, não sabe?), parecia uma leoa, uma índia, uma mulher com uma força inimaginável, olhos que vazavam luz e que a nada miravam, protagonista de um silêncio entrecortado por urros, gemidos, um troço absolutamente impressionante por quase três horas até que o moleque abrisse o berreiro pra sossegar em seguida deitado sobre ela durante a primeira hora de vida, a que os médicos chamam de hora de ouro. Golden hour. Goldenberg.”
Eu não encontrei palavras pra definir o que sinto para o Julinho, ainda não consigo fazê-lo para o Vinicius.
Sei que foi bem comum ouvir ao longo do tempo palpites como:
— Não é um amor assim, de cara, não. É uma coisa construída com o passar do tempo.
Fui a antítese dessa conversinha.
Fui tomado por um sentimento absolutamente indizível com aquele menino nos braços.
Eu já quase-morri durante o parto.
Já quase-morri quando ele finalmente nasceu, faltando muito pouco para a Hora Grande.
E já quase-morri quando a doutora Fernanda, que conduzia o parto, gritou:
— Flávia, menina! Você deu a luz a um clone do Edu!
Tê-lo nos braços, olhos nos meus olhos, foi - de longe - a coisa mais forte e mais bonita que jamais sonhei viver.
Eu estava com ele no colo mas sentia forte o cheiro do talco de minha bisavó, ouvia o choro de emoção de minha avó, mãe de mamãe, e conforme os minutos passavam eu crescia - minha bisavó e minha avó morriam de novo e eu uivava de saudade das duas, exibindo o bisneto e o neto das Mathildes.
Ali, já naqueles primeiros minutos como pai, como uma bigorna, pesavam em meus ombros algumas certezas: eu seria capaz de tudo, de tudo!, de qualquer coisa!, para vê-lo feliz e livre de qualquer sofrimento (ilusão que, sabemos todos, é inexeqüível).
Decidi, isso ao longo dos longos meses de gestação, que eu seria um pai melhor do que o pai que meu pai foi (e acho que nisso, nesse desejo, todos os pais se igualam). Os tempos eram outros, eu já não era um garoto (Leonel nasceu e eu já tinha 49 anos), e eu queria que ele não vivesse as situações de angústia que vivi… outra ilusão.
As certezas que o amor desmedido plantava dentro de mim esbarravam na dura e crua realidade, eis a verdade.
Mas nem tudo é duro, nem tudo é cru - muito pelo contrário.
Há uma passagem, havida nas primeiras semanas de vida de Leonel, que gosto de relembrar.
Flávia estava dormindo, Leonel começou a choramingar - havia feito cocô.
Lá fui eu trocar a fralda.
Durante a operação - tira a fralda, limpa o bumbu - Leonel mijou, com força, em cima de mim.
Aquela explosão de xixi no meu peito, respingando no meu rosto, e eu desandei de rir, acordando a Morena.
Dias depois, contando a história - acho que pra minha mãe - ela sentenciou:
— Ali eu tive a certeza de que o Edu seria um puta pai.
Leonel está com pouco mais de 5 anos.
Eu, ao longo desse tempo, vivi arremessos violentíssimos em direção ao passado.
Construímos, os dois - nunca foi e nunca será uma questão unilateral -, uma relação tão bonita que, repito, não consigo defini-la.
Leonel fez cessar, sem que soubesse, inúmeras dores que me traziam sofrimento.
Leonel potencializou, sem que soubesse, inúmeras emoções que me foram suprimidas ao longo do tempo por inúmeras razões que aqui não cabem.
Os abraços que ganho, dia após dia, até hoje me fazem chorar.
Lembro-me perfeitamente do dia em que ele me viu chorando e me perguntou, pela primeira vez, o porquê de eu estar triste.
Expliquei a ele que eu chorava de emoção.
De felicidade.
E dali em diante, esperto que só ele, passou a ser ainda mais derramado.
E emendava:
— Não vai chorar de emoção, papai?
Ele é, não me canso de dizer, muito mais do que sonhei pra mim.
Volto, hei de voltar sempre, ao tema.
E obrigado, Vinicius.
Foi sua mensagem que me fez tentar percorrer esses anos, esses tempos, essas emoções.
E mantenha-se assim, calmo, leve e otimista: não há segredo algum.
Ame desmedidamente e a mágica e o milagre, você vai ver, acontecem.
UMA SITUAÇÃO KOLYNOS
Em 1997 - há 26 anos - comemorei meu aniversário na casa de meus pais, no Alto da Boa Vista.
Um furdunço inesquecível.
Muita coisa hilária - e inacreditável - aconteceu naquela noite.
Um exemplo?
À certa altura, quase meia-noite, chega Beth Carvalho.
Vem trazendo Bira Show, icônica figura da verde-e-rosa, filho do Padeirinho.
E dois ou três ritmistas: um surdo, um pandeiro, um tamborim.
Bira Show protagonizou uma cena impagável com minha mãe.
Moacyr Luz, que estava presente, testemunhou o troço.
A história correu.
E chegou aos ouvidos de meu eterno e saudoso orixá, Aldir Blanc.
No dia 08 de setembro de 1997, quase 5 meses depois da festa, o jornal O Dia, onde Aldir mantinha coluna semanal, saiu publicada a incrível crônica Uma situação Kolynos, que pode ser lida abaixo.
Cheia de invencionices egressas da mente genial de Aldir - sem distanciar-se um só milímetro da verdade dos fatos - é um registro sensacional de uma festa de não se esquecer.
A lamentar, apenas, a menção à mulher que, a despeito de estar viva, morreu.
Mas isso deixa para lá.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, o texto Expressões de minha bisavó, publicado em primeiro de fevereiro de 2011, aqui. Conta uma história real que vivi ao lado de Aldir Blanc e de Adele Fátima, no dia da inauguração do bar R9, que Ronaldo Nazário manteve por algum tempo no bairro do Leblon.
“Minha bisavó, minha saudosa bisavó – e como já falei sobre ela aqui – era uma mulher que trazia no bolso do vestido uma enciclopédia de expressões que marcaram, como a marca do ferro em brasa, minha infância. E minha bisavó vive, pra mim, em três cenários: na primeira vila que conheci, na Professor Gabizo, perto da Heitor Beltrão; depois, na vila da São Francisco Xavier, entre o Orsina da Fonseca e a Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho; e por último, no Lins, seu último endereço. As lembranças da primeira vila são vagas, muito vagas, e dela guardo esparsas passagens. Uma me marcou tremendamente e seria, tenho certeza, prato cheio para um psicanalista. Tinha eu – o quê? – não mais do que cinco anos de idade. Mamãe tinha uma empregada, creio que minha babá (o nome, não lembro). Pois a preta me pôs, certo dia, diante da TV. Na tela, aquelas listras coloridas na horizontal, expediente usado durante anos pelas TVs antes ou após a programação regular. Eu devia estar pintando e bordando, é o que penso hoje.
Disse-me a babá:
– Dudu, senta aqui! – e apontou-me o sofá.
Sempre fui obediente.
Mostrou-me a telinha e disse:
– Olha a cortina do circo, olha! Já, já, vão levantar a cortina. E você vai ver palhaços, engolidores de fogo, elefantes, leões…
Lembro-me vagamente desse dia. Mas uma certeza me assola: esperei durante horas pelo circo que, é claro, não veio. E a preta retinta, dulcíssima:
– O adestrador está atrasado. Espere! Espere!
E o palhaço era eu.
Da casa da vila da São Francisco Xavier as memórias são mais sólidas, palpáveis, o cheiro daquela casa, daquela vila, tudo está vivíssimo em mim. Foi ali, e eu nem sei quantos anos tinha, que pus álcool na boca pela primeira vez. Moravam ali minha avó, meu avô, minha bisavó e sua irmã, tia Idinha. Vovô mantinha um bar suntuoso na sala e eu sempre me encantava com a licoreira de cristal verde: era licor de menta. Diversas vezes, quando sozinho, mandava um cálice pra dentro. Era pastilha Garoto líquida! Ali, também, conheci a quiromania. Folheando uma revista Amiga deparei-me com uma foto da Adele Fátima vestindo um biquini amarelo. Senti uma novidade entre as pernas e uma aguda vontade de ficar escondido. Voei pro banheiro de azulejos amarelos e saí de lá vendo estrelas: a vida mudou dali em diante. Anos depois, muitos anos depois – desconfio que eu já tenha lhes contado essa história aqui – encontrei Adele Fátima, por acaso, infelizmente, num restaurante no Leblon. Corria o ano de 1999 e eu estava saindo da estréia do espetáculo ALDIR BLANC, UM CARA BACANA, no Teatro da Lagoa. Para piorar – no melhor dos sentidos – eu estava na companhia do bardo tijucano. Aldir, que sabia da história, disse-me comovido:
– Ah, mas você não pode perder essa oportunidade…
Depois de algumas doses de Jack Daniel´s, ele voltou à carga:
– Vai lá, vai lá!
Fui.
Aproximei-me dela. A cada passo, um retrocesso no tempo. A cada passo, a transformação. E quando me cheguei ela já estava de biquini amarelo:
– Com licença…
O sorriso mais absurdo de tão bonito, um arremesso agudo em direção ao passado, a voz que eu NUNCA (com a ênfase szegeriana) vou esquecer:
– Pois não, querido…
– Eu preciso te contar uma coisa…
Outro sorriso, Aldir batia palmas da mesa, pus sua mão entre as minhas e disse (o agudo do vexame é que brotavam lágrimas de um menino de tenra idade dos meus olhos às vésperas dos 30 anos):
– Minha primeira punheta foi pra você…
Vejam bem: ela poderia, e não sem razão, lançar o Dry Martini que bebia no meu focinho de inconveniente. Poderia, ainda, clamar por socorro diante daquele imbecil. Dar-me um tapa na cara, fazer o diabo. Nada disso.
À feição da Branca de Neve do inesquecível A HISTÓRIA QUE AS NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM, Adele Fátima pôs a mão direita em minha nuca e levou-me até seu ombro (e que colo!, que colo!, que colo!). E disse (estou aqui escrevendo e ouço com uma nitidez impressionante sua voz):
– Ô, meu querido… Que bonitinho!
Eu ia lhes contar sobre as expressões que minha bisavó usava. Vai ter de ficar pra amanhã.
Choro de esguichar.
Até.”
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
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UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, a playlist que montei, há umas semanas, no Spotify.
Nas últimas edições eu já indiquei a playlist a vocês, que me lêem.
Mas eu a incrementei.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e traz as canções que mais gosto e que têm a cidade do Rio de Janeiro como referência - e ela está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
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