Nasci em abril de 1969, na rua Conde de Bonfim, no Hospital da Veneranda Ordem Terceira da Penitência, de frente pro Morro do Borel, num domingo - enquanto Deus descansava.
Nasci num 27 de abril - o que significa dizer que estamos a 30 dias do dia do meu 54º aniversário. Eu digo de mim para mim 54º aniversário e sinto um calafrio que me percorre do alto da cabeça à sola dos pés. Um frêmito que me faz enregelar as pontas do dedos, umedecer os olhos, secar a boca, disparar o coração (que será avaliado por meu cardiologista no começo de abril), quase-não-crer em mim mesmo.
Eu sempre fiz dos meus abris uma estufa de emoções. Eu sempre fiz dos meus abris os dias mais febris do ano. E meus abris passaram a ser mais febris desde 2019 - quando vivi o primeiro 27 de abril depois da chegada de Leonel, a maior revolução da minha vida.
Esse abril não vai ser diferente - mas vai.
Precipuamente porque estou diferente.
Porque Leonel, desde que chegou, me obriga - e eu me obrigo - a experimentar o novo, a querer conhecer o novo, a ouvir o novo, a ver o novo, a ser o novo, ser eu de novo, num processo absurdo (porque talvez impossível e inalcançável) de tentar reverter o tempo pra que eu possa estar e ser mais - mais e por mais tempo.
Porque eu não estou mais na Tijuca. Estou renascendo na Tijuca com maresia, em Copacabana, remando (o que jamais considerei plausível), indo à praia à noite, fazendo trilha, vivendo e revivendo com ele e ao lado dele tudo o que vivi e o que não vivi porque não pude, ou porque não me deixaram, ou porque não era mesmo possível. Não importa: meu tempo é agora.
Porque a vida, no último ano, foi turbulenta como nunca dantes.
Mas também foi intensa o bastante pra que eu me mantivesse agarrado aos pilares que eu mesmo desenhei. Mais que isso, aos pilares que eu desejei pra mim.
Atravessar mais esse abril ao lado dela e dele será, não tenho dúvida, mais uma experiência de não se esquecer.
Os deuses que não me faltem, porque o tranco é certo.
O NASCER DO SOL
Quantas vezes - quantas! - ao longo de 53 anos eu acordei cedo, cedíssimo!, ainda noite, pra pegar o carro e partir em direção à Ipanema, mais precisamente à Pedra do Arpoador, a fim de ver nascer o sol em Copacabana, naquele privilegiadíssimo ângulo que mistura o Pão de Açúcar, o Costão do Leme, a praia de Copacabana, a praia do Diabo, a Pedra do Arpoador, as praias do Arpoador, de Ipanema, do Leblon, o Dois Irmãos e a Pedra da Gávea.
Semana passada, já em terras novas, deparei-me com o nascer do sol espetacular que a fotografia abaixo exibe, um daqueles de arrombar a retina de quem vê, apud Chico Buarque.
Fiquei estático diante do espetáculo. Os raios de sol que brotavam do horizonte me fizeram rir e chorar até que o desenho se desfez.
Voltando: se a vida me foi turbulenta, foi também generosa no último giro do ponteiro.
A vida, generosa - como já lhes disse - deu-me um amigo novo de presente. Um troço, eu diria, impressionante. Impactante, como dissemos um ao outro ao longo desse tempo. Não é exatamente comum, aos 53 anos de idade (eu que já perdi tantos amigos, agora fantasmas…), fazer um amigo novo.
Tive oportunidade de fazer uma viagem sozinho (a primeira, em 53 anos), Paris e Londres, e lá estive com Cristiano, meu irmão caçula, (pela primeira vez passamos tanto tempo sozinhos, só eu e ele, e isso foi riquíssimo) e justo com ele, o amigo novo, Rodrigo - que acaba de tornar-se pai.
Pai.
É a versão que mais gosto em mim.
E por ter me tornado pai em 2018, há quase cinco anos os meus arremessos em direção ao passado são mais freqüentes e mais intensos.
Há quase cinco anos o nascer do sol é mais bonito porque um pedaço de mim, um pedaço dela, um pedaço nosso, dorme no quarto ao lado ou (o que é mais comum, e eu adoro!) no meio de nós.
E fazê-lo dormir, de umas semanas pra cá, tem sido mais bonito.
O SACI
No Natal de 2022 dei de presente pro Leonel (falo na primeira pessoa porque foi coisa minha mesmo) um livro do Monteiro Lobato que li ainda moleque - O Saci (comprei uma edição lindíssima, capa dura, que pode ser adquirida aqui).
O presente era pra mim, a bem da verdade.
O comprei, bem me lembro, emocionado e sonhando com o dia em que ele me pediria, leia pra mim, papai.
Há semanas, finalmente, ele me pediu.
E temos lido aos poucos, capítulo a capítulo, ele agarrado a mim e construindo um fascínio por aquela figura que é o Saci Pererê, encantado pelo tio Barnabé, pelo Pedrinho, pela Narizinho, pela Emília, com medo da Cuca, e ele não desconfia que estou lendo também pra mim mesmo.
No último final de semana pediu a nós: queria caçar saci.
E lá fomos nós três pro meio do mato - e os olhinhos dele, o gestual, a tensão, a atenção, eu com os batimentos na lua numa mistura de falta de preparo físico com emoção à flor da pele.
Eu jamais imaginei que fosse como de fato é: Leonel reacende em mim, com intensidade inacreditável, as minhas emoções de menino. As minhas paixões mais pretéritas. Os meus medos. As minhas certezas. As minhas fragilidades e as minhas dependências, tudo na exata medida inversa que exige de mim ser, pra ele, o que eu sempre busquei como norte.
CAÇADOR
Escrevi, há algum tempo, falando da nossa mudança pra Copacabana:
“Sentirei, também, aguda falta do Caçador.
Não apenas às segundas e terças, quando o bom chope do lugar é servido a R$ 4,50.
Mas do icônico restaurante que Leonel tanto adora.
Provando que puxou a mim, ele me perguntou em tom triste na semana passada:
— Papai… tem Caçador em Copacabana?
— Não tem, filho…
Senti uma ponta de orgulho do moleque.
Ainda não tem 5 anos e já está apegado à aldeia.
Gosto demais de perceber isso.
Eu disse:
— Lembra daquele lugar em Copacabana onde comemos linguiça com farofa que você adorou?
— Lembro! - os olhinhos já brilhavam de novo.
— Então… é o Braseiro. Não tem aqui na Tijuca, só tem lá. O Caçador só tem aqui, não tem lá.
— Eu gosto dos dois. Mas quando eu sentir saudade você me traz pro Caçador?
Ah, o Leonel.
É muito mais do que sonhei pra mim.”.
Pois bem.
Há, na esquina de casa, uma lanchonete onde quase todos os dias tomo meu açaí. Ele, quando está comigo, pede um pão de queijo. Geograficamente, digamos, está pro novo apartamento como o Caçador pro antigo.
Ele, dia desses, mastigando seu pão de queijo:
— Papai, esse é o nosso Caçador em Copacabana, né?
O NOVELO
Volto hoje à newsletter depois de dois meses e vinte dias - o último texto publicado é de 7 de janeiro, pode ser lido aqui.
Soo confuso nesse retorno - eu sei.
Com as idéias embaralhadas - eu sei.
Parecendo perdido, sem nexo e sem sentido - eu sei.
Mas é sempre assim quando vêm chegando os abris.
Serei mais assíduo até 27 de abril.
Farei meus balanços públicos.
Tornarei a falar dos assuntos que lhes trago hoje.
Porque há quem adoeça por não falar.
Há quem adoeça por não saber se expressar.
E há quem adoeça por não escrever: sou desses.
Até brevíssimo!
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