Abril está chegando ao fim e, com ele, chegando ao fim o tormento que me imponho a cada abril que atravesso.
Faço, antes de prosseguir, breve confissão: mais de um leitor, mais de uma leitora, boa parte da assistência, elogiou brutalmente um trecho do texto que seguiu com a última edição da newsletter. Em itálico, a seguir.
“Falei casamento e quero fazer a confissão: estou casado pela terceira e última vez.
A primeira mulher está viva mas morreu há 24 anos.
A segunda morreu há 12 anos mas está viva.”
Curioso.
DRAMA CARIOCA NA ZONA NORTE
A auto-imolação aliada à carência produz momentos que a vizinhança vai espalhar durante semanas - humilhando o pobre-diabo ainda mais.
Dia de São Jorge e ela sai de madrugada de casa pra ver a alvorada deixando-o sozinho em casa (eles não têm filhos, não têm cachorro, não têm sequer plantas em casa).
Ele acorda assim que ela sai, com o barulho da porta - que ela bate com força. Ele vai à cozinha beber água e encontra dois latões de Brahma sobre a pia (ainda estão gelados, um deles com marca de batom). Ele sente um frio na espinha. E tem um lampejo que acha, coitado, genial. Volta pra cama. Pega o celular na cabeceira. Abre o WhatsApp e manda a mensagem: “Reza por nós.”.
Ela já está a caminho, no táxi, com o vizinho do andar de baixo (ironicamente, chama-se Jorge, o vizinho). Ouve o alerta no celular. Abre a bolsa com a mão esquerda porque na direita está outro latão de cerveja. Pega o celular. Passa pro vizinho, que está a seu lado. Pede pra que ele abra, diz a senha, e ele lê:
— É dele. Reza por nós.
Ela ri feito Exu-Caveira. Ele também. Eles se beijam. O motorista, tudo vendo pelo retrovisor, sorri.
Ele contará pro porteiro quando os dois voltarem.
E a coisa se espalhará como vírus, no prédio e no bairro.
A VISITA DE MEU PAI
27 de abril, claro, papai e mamãe vieram jantar comigo em casa - eu disse vieram jantar mas não vieram, já explico.
Meu pai, quem me lê sabe, é um homem que carrega no bolso dezenas, centenas de frases feitas que ele repete, à exaustão, há pelo menos 54 anos (desde a minha primeira infância, portanto).
Toca a campainha. São eles. Abro a porta e, antes de me dar os parabéns, ele diz:
— Você sabe que eu não janto, não sabe?
Morena vem cumprimentá-los e ele saca mais uma:
— Hoje acordei tarde.
Ninguém diz nada, já sabendo a ladainha de cor, e ele emenda:
— Acordei três e quinze! - e guincha de rir sozinho.
— Quer beber alguma coisa, Isaac? - é Morena sendo gentil de novo.
— Não… depois das dezoito não bebo mais nada.
Ele boceja.
— Oh, my God! - ele diz na seqüência do bocejo, e dirá a mesma coisa a cada bocejo (serão muitos até ele ir embora).
Todos à mesa. Embutidos, queijos, amendoim, nozes e ele diz:
— Por mim bastaria uma pílula para me alimentar. Não gosto de comer, não gosto!
E fica ele, que fará 80 anos em janeiro de 24, repetindo as mesmas frases que diz todos os dias com ar de ineditismo.
Mamãe, por sua vez, tá ficando cada vez mais parecida com ele no quesito frases-feitas. Mas sob o viés de sua mãe, minha avó Tida, espírita fanática como a filha.
Seja lá o que se diga - qualquer coisa! - mamãe espalma as mãos pro alto e diz se Deus quiser, Deus queira e outros bichos.
Alguém discorda de mamãe? É batata:
— Vamos ver se você continuará pensando assim na próxima encarnação.
E isso dito sempre com aquele superior que caracteriza os kardecistas.
E como são os dois - papai e mamãe - espíritas fanáticos, fica mamãe dizendo suas frases feitas e papai balançando a cabeça concordando com tudo.
Uma coisa.
Uma cena.
Praticamente uma peça.
SIMAS
Quem também esteve em casa para um oba e um olá de aniversário foi ele, Luiz Antônio Simas. E não podia ser diferente. Vivemos, desde a mudança pra Copacabana, em estado permanente de saudade. Pois lá esteve o bom Simas (e com Candinha, minha comadre, e com Benjamin, meu afilhado-de-rua).
Tem ocorrido o seguinte, com o Simão.
Mais de duas pessoas em volta dele e ele não mais se controla: fica de pé, como um possesso, e dá de falar, dá de ministrar suas aulas, dá de dar aquele show que ele sempre dá quando tem a palavra. Mamãe, que nunca havia visto o Simas atuando, não escondia o assombro. Fez sinal pra mim, me chamou pra perto (e tinha os olhos marejados).
— O Simas é médium?
— Sei lá! Acho que não.
— Batata que é. Está incorporado. Que lindo.
Assim, também, se manifesta o fanatismo kardecista de minha mãe.
CONEXÃO LONDRES X MÉIER
O sujeito acaba de se tornar pai.
Mora, há anos, com a companheira, na capital britânica - “na terra da Rainha”, diria um repórter modorrento anunciando algum acontecimento ocorrido em Londres.
A mãe e a sogra, evidentemente, ganharam uma neta.
E ele, ao menos temporariamente, esse pequeno desconforto: receber as duas em sua casa para os protocolos de praxe.
Durante os nove meses de gestação, fustigados debates em casa. Quem vem na frente, por quanto tempo elas ficam, ficam em hotel ou ficam conosco, e conforme a barriga da companheira foi ganhando forma, foi sendo fechada a programação com a parentalha.
Bateu-se o martelo:
— Sua mãe vem primeiro! - ele disse dando mais um gole no Garibaldi de todas as manhãs de sábado.
E sem esconder a angústia, ia riscando dia a dia o calendário imaginário vendo aproximar-se o dia da chegada da sogra.
Cíntia Rúbia - eis o nome da sogra - chegou trazendo imensa mala para os 90 dias em Londres. Cíntia Rúbia mora no Méier (mora sozinha) há muitos anos e considera o Méier o epicentro do mundo. Elenca, sempre que pode, as vantagens do bairro:
— Eu ligo pro seu Jarbas, digo que a água acabou e em menos de dez minutos me chegam os galões!
— Adoro as vespertinas do Imperator!
E fica, horas a fio, exultando o bairro “em que nasceu João Nogueira” - adora repetir isso.
Pois bem.
Num desses sábados, foi a família almoçar num renomado restaurante libanês em Notting Hill, na Westbourne Grove, oeste de Londres, a pedido da sogra que, logo no café da manhã, fez o apelo:
— Tô com muita vontade de comer comida árabe.
O genro, que acordara de bom humor, disse de voleio:
— Rubinha, vamos então almoçar num dos melhores de Londres! - usou o carinhoso apelido que guardava pros momentos leves do convívio.
E assim se deu.
Foram os quatro: ele, sua companheira, a filha (ainda não tem 2 meses) e a sogra.
Hummous, warak inab, fattoush, falafel, ele foi pedindo o que havia de melhor na intenção de agradar e de impressionar a sogra.
Ela provando de tudo, lambendo os dedos, bebendo cerveja, mas em silêncio.
Ele e a mulher estranhando - os olhos, que se cruzavam o tempo todo, deixavam claro que havia ali um estranhamento.
Até que ela disse, perto do fim:
— Gostei. Mas tem um árabe a quilo lá no Méier que dá de dez.
Igualzinho papai, quando foi jantar no Copacabana Palace - aqui.
O PRIMEIRO CLÁSSICO
Daqui a pouco parto pro Maracanã pra ver Flamengo x Botafogo, o primeiro clássico na vidinha do Leonel (seu segundo jogo, o primeiro foi contra o Coritiba).
Qualquer dia desses lhes conto sobre o que foi esse primeiro jogo com ele, uma sensação de renascimento e de quase-morte, como adiantei aqui, no Instagram.
Foi muito mais do que sonhei pra mim. Nós no estádio de futebol, na iminência da derrota à vitória, da tragédia ao triunfo, imitação da vida.
A vida não anda fácil, meus poucos mas fiéis leitores.
O chão tem me faltado muitas vezes e mesmo morando, agora, perto do mar, o horizonte se apresenta turvo. O futuro, incerto. O presente, turbulento. E o passado cada vez mais denso, mais presente, mais mimetizado com o que vivo e com o que viverei.
Mas é incrível, é impressionante, é avassaladora a força do amor: tudo é melhor quando tenho as mãos do meu piá entre as minhas.
E a construção dessa cumplicidade em vermelho-e-preto tem deixado tudo infinitamente mais bonito.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
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