É preciso dizer, antes de qualquer coisa: a receita que publico hoje é do Julio Bernardo, meu querido amigo e minha maior referência quando o assunto é comer e beber bem. O Julinho, protagonista da sessão MINHA TRIBO da newsletter de 19/12/2020 (aqui), tem (diria minha bisavó) uma paciência de Jó. Se quero cozinhar algo que nunca tenha cozinhado, se quero beber a bebida certa acompanhando determinado prato, se quero acertar no queijo surpresa pra Morena, não tem erro: cutuco Julinho. E ele, o maior gentleman vivo (à moda do que foi meu saudoso amigo Marco Aurélio Braga Nery), nunca me deixou na mão. Vamos, pois, ao arroz de pato que passou a ser tradição, aos domingos, na Gávea, na casa da queridíssima Luana Carvalho, filha da minha também saudosa amiga Beth Carvalho, irmã da Morena (as duas se encontraram e se reconheceram!), mãe da Mia, paixão de Leonel.
Pausa antes da receita: Luana fez Mainha de presente pra Morena. Uma lindeza, ouçam aqui.
E mais pausa antes que me acusem de promover aglomeração: nos cuidamos demais e nossos pequenos - Leonel e Mia - precisam um do outro pra que mantenham a sanidade, a deles e a nossa.
Pra fazer o arroz de pato pra quatro pessoas (com folga!) eu uso dois pacotes de coxa e de sobrecoxa de pato. E mais os seguintes ingredientes: sal, pimenta do reino, limão, azeite, sálvia, vinho branco, arroz agulhinha branco, cebola branca, cebola roxa, óleo (de girassol ou de canola, jamais o de soja!, grita sempre o Julinho), manteiga sem sal, salsinha, cebolinha, paio, azeitona verde e tomate.
Pra começo de conversa, num recipiente que os pernósticos chamam de bowl, você tempera o pato com sal, pimenta do reino preta moída na hora, limão e algumas folhas de sálvia. Eis o panorama.
Põe a tigela na geladeira, cobre com plástico filme e deixa lá por duas horas aproximadamente, tempo suficiente pra alguns drinks (o canal do Julinho no YouTube, aqui, é prato cheio pra você se fartar).
Depois que retirar o pato da geladeira e depois de deixá-lo um pouco à temperatura ambiente é hora de começar a prepará-lo.
Sele o pato na temperatura mais alta que conseguir, pouco importa se no forno pré-aquecido ou na frigideira (eu prefiro a frigideira).
Eis o panorama.
Depois de bem selado, o pato, e você já deve ter o forno aquecido, retire-o da frigideira e passe o bichinho pra uma assadeira.
Você vai terminar de assá-lo em fogo bem baixo por no mínimo duas horas, regando a assadeira com vinho branco desde o começo do cozimento.
Enquanto o pato está no forno, enquanto sua preocupação com ele se resumirá à rega com o vinho branco, enquanto você continua a se fartar com a bebida, você cuida de preparar os demais ingredientes e de montar a praça pra que sua vida seja viável na hora de preparar o arroz.
Separe o arroz, duas xícaras.
Pique duas cebolas brancas em cubinhos, reserve.
Pique salsinha, reserve.
Pique cebolinha, reserve.
Corte dois paios em cubinhos, reserve.
Corte um punhado de azeitonas verdes no sentido do comprimento - jamais em rodelas!, grita Julinho e reserve.
Corte duas cebolas roxas em cubinho, reserve.
Sem pele e sem semente, corte quatro tomates em cubinho e reserve.
Eis o comovente panorama.
Ficou pronto, o pato no forno? Você não esqueceu de regá-lo com o vinho branco, o que significa dizer que teremos caldo na assadeira. Espere esfriar um pouco pra facilitar o trabalho de desfiar a carne. E você só desprezará os ossos, o que significa dizer que a pele também será usada (rasgada durante o desfiar).
Tudo desfiado, coe e reserve o caldo.
Antes de começar o arroz propriamente dito, sele o paio que já está cortado em cubinhos. Selou? Reserve.
Panela de fundo grosso no fogo. Hora de ficar inebriado (não bastasse o cheiro do pato!) com o refogado. Óleo e manteiga na panela, refoga a cebola branca.
Quando ficar transparente e antes de dourar, hora de pôr o arroz que será cozido no próprio caldo do pato.
Eis o panorama que mais parece o céu no chão.
Acrescente, sem pressa, o pato desfiado.
Ponha sal.
Regue com azeite.
À larga, salsinha e logo depois a cebolinha.
Tudo isso sem parar de mexer com muita delicadeza, cuidando de acarinhar o arroz, o pato, os ingredientes que você vai mergulhando na panela.
Hora de pôr o paio cortado em cubinho.
As azeitonas verdes.
A cebola roxa.
E bem no final, pra não desmanchar, o tomate.
Agora é corrigir o sal, servir e esperar os abraços que virão.
Tem sido assim, aos domingos.
Vira-e-mexe mudamos o cardápio mas o arroz de pato é uma constante.
Um golaço (mais um) do Julinho.
Morena, Luana e eu - às favas, a modéstia - temos sorte.
Saravá!
Nossa cara denuncia a alegria que tem sido.
O ARROZ DE PATO NA MAISON GOLDENBERG & PIANA
Antes de topar o desafio de fazer do arroz de pato um clássico a ponto de torná-lo quase que o prato oficial dos domingos na Gávea, fizemos uns jantares na MG&P tendo o dito cujo como atração maior.
Era preciso fazer, testar, fazer de novo, até que a quantidade de ohs e ahs dos comensais me encorajasse.
Nem foram tantos assim.
Mas passo à exibição de alguns registros dessas noites das quais tenho saudade.
30 de outubro de 2019. Recebemos Luana Carvalho, Pedro Sá (dando canja na sala na MG&P) e Marianna Araujo.
Luana, hiperbólica como eu, gemia entredentes que depois de comer arroz de pato em todos os cantos de Portugal podia afirmar sem medo do erro que ali estava, diante de si, o melhor de todos os arrozes experimentados.
Pouco tempo depois, em 09 de janeiro de 2020, Marianna Araujo (ela, de novo!) e Marília Gonçalves estiveram na MG&P para, com a escolta de vinhos portugueses da adega de Marília, provarem do meu arroz de pato. E ambas, afirmo sem remorso, concordaram com Luana.
E em 08 de fevereiro de 2020, pouco antes de ter início a pandemia que nos assola desde meados de março do ano passado, Marianna Araujo voltou, dessa vez com Betinha para mais um portentoso arroz de pato.
Não perca tempo, se você gosta de cozinhar.
Role até lá em cima, providencie os ingredientes, compre um tinto português à altura e seja feliz.
COM A PALAVRA, QUEM ME LÊ
Eu não pretendia criar uma seção à moda carta-dos-leitores. Mas recebi um e-mail tão bacana no começo da semana que não consigo não publicá-lo (com a autorização da autora).
Na semana passada, 30/01/2021, escrevi sobre o Bar da Dona Maria e seus personagens (aqui). Maria Helena Ferrari, mãe de Rodrigo Ferrari, dono da livraria do meu coração, a Folha Seca, teve arremessos tremendos em direção ao passado lendo o que escrevi e me mandou delicioso e-mail, abaixo transcrito. Divirtam-se.
“Querido Edu
Conheci o bar da D. Maria muito antes de você nascer, pois nasci eu na Muda - e lá me criei. Morei ali até me casar, quando me mudei para a Jacarepaguá do Moa. Talvez por isso essa sua crônica me tenha trazido de volta parte das minhas lembranças tijucanas.
Tomei um memorável tombo em frente ao bar da D. Maria, na calçada oposta, correndo pra pegar o bonde que fazia a volta na garagem da rua Conde de Bonfim. Aliás, a Muda tem esse nome, você deve saber, porque a estação era onde os bondes faziam a troca dos burros, em tempo bem anterior ao meu, é bom que se diga.
Tinha então meus doze anos, estudava no Instituto de Educação da Rua Maria e Barros e vivia atrasada. Da varanda do meu prédio na Guajaratuba, rua que ficava exatamente atrás da garagem, mas cujo acesso era impedido pelo rio Maracanã, via o bonde entrando na estação, onde parava por dez minutos para fazer a troca, não mais dos burros, mas do motorneiro e do trocador. Descia eu, então, aos pulos, os três lances de escada do meu prédio, corria até o final da rua, dobrava à direita no pequeno trecho que ladeava o rio Maracanã e desembestava pela Garibaldi, para chegar à Conde de Bonfim. Não pude atingir meu objetivo nesse dia fatídico, atrapalhada por duas vizinhas que conversavam à porta dos fundos da casa dos Bianchi (onde é hoje o Centro da música carioca Artur da Távola). A correia que unia o pulso de uma delas ao seu cachorro, que mijava no poste em frente, interceptou minha desgovernada corrida e me estatelei em grande estilo, com direito a saia levantada e joelhos ralados. Fui alçada, morta de vergonha, por alguém que estava à porta do bar. (Devo dizer-lhe que esta foi apenas uma das minhas quedas memoráveis, especialista que sou na arte de tombar ao solo, quase sempre sem nenhum heroísmo e pouquíssima classe).
Mas minhas recordações do bar da D. Maria não se limitam a esse episódio pouco honroso. Foi ali que tomei o meu primeiro cafezinho em botequim, em pé, acompanhada de um tio boêmio (pois não pegava bem moça entrar em bar sozinha). A experiência só é comparável à da primeira cerveja que, se não foi lá, foi no lendário bar do Corage, na Conde de Bomfim, outra instituição dos meus tempos de Muda. Este último ficava ao lado da famosa padaria Ondina, da qual tenho memórias olfativas proustianas, pois o cheiro do pão saindo do forno atingia os bancos do bonde muito antes dele chegar ao ponto, exatamente em frente a ela, onde eu saltava na volta das aulas.
Mais tarde um pouco, já nos libertários anos sessenta, sentava-me no bar da D. Maria (mais civilizado que o Corage) para reuniões de pauta de uma revista que tínhamos no Instituto, chamada O tangará. Tomando cafezinho, comendo sanduíche de pernil e fumando, pois éramos modernas.
Em pé no balcão ou parados à porta, rapazes tijucanos olhavam com curiosidade aquelas moças uniformizadas, discutindo, escrevendo, rindo ou simplesmente conversando, mas concentradas num trabalho que os intrigava. (“ O que entra aqui - o texto da Simone de Beauvoir ou a entrevista com a Maria Clara Machado?”). De vez em quando arriscavam uma aproximação, disfarçavam uma paquera. Não dávamos trela. Afinal, éramos - além de modernas -, intelectuais e existencialistas, com toda a razão.
Obrigada por me levar nessa viagem a esse espaço/tempo que só existe na nossa memória e que continuará resistindo enquanto a gente insistir em recordá-lo.
Beijo grande. Leal manda um também.”.
Até.
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