A primeira vez que pisei em Curitiba foi em 15 de março de 2012 - lá se vão pouco mais de 11 anos. Onze anos. Onze. Não é coisa pouca.
Eu tenho guardado o registro dessa primeira viagem, que reproduzo aqui com os cortes que julgo necessários. Ei-lo:
“Cheguei em Curitiba por volta das 10h10min de quinta-feira, esperei a mala com ansiedade e meus olhos varreram, com pressa, o saguão do aeroporto (…). (…).
Fomos ao Santa Ana, (…). Fechado. Fomos pra casa e entrar ali, no 22 (…). Eu não estava ali pela primeira vez, e pensei naquele minuto que eu de fato já morava ali, (…), há sei lá quantos meses. E (…) tudo me foi familiar demais.
O rodízio magro numa tarde vazia de quinta-feira, (…), uma visita ao shopping, o livro dado de surpresa, o livro sugerido e comprado, (…). (…), o choro, o coração acelerado, o banho, a toalha, o bilhete no pijama, a decoração anunciada no cardápio, a amiga, a primeira que nos chega e que me ouve atenta, (…), e seu dedo apontando a cidade, os imóveis da cidade, as histórias da cidade, (…). (…), e o lago, e os peixes, e as tartarugas, e a Ópera de Arame, a Pedreira, os pinheiros, as araucárias, o Parangolé, e o jazz cigano, e a Roberta Sá, e a saia rodada, e a amiga de novo, agora com o marido, e novas amigas, e nossas mentirinhas tramadas que não colaram, (…), e eu quero mais uísque, e o bolo de cenoura (…), e eu peço cachaça, e eu peço mais uma, e eu quero sumir, eu quero ir pro quarto, e roubei uma rosa pra você, e eu fui o menino da canção do Taiguara, e eu fui à farmácia, e eu me lavei no banho, e eu chorei mais que toda a água que saía do chuveiro elétrico, mas eu fui mais forte, o amor fortalece, o amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia, (…), Tertúlia, chimarrão, Chico Buarque, Maria Bethânia, guarânias, setembro de 2011, outubro, novembro, dezembro, janeiro, mensagens, e-mails, confissões, antevisões, (…), e como é lindo o Centro Histórico, e mais amigos seus, e essa infantil vontade de não errar diante deles, a primeira impressão, (…), e suas histórias, e o supermercado, e as velhas, quer que eu dance diante delas?, eu danço!, e o Chico no carro, e os versos que você plagiou, (…), e o pão fresco, e o Red Label, e não posso perder o vôo, e eu perco o vôo, você perdeu seu vôo porque nos perdemos (…) no saguão do Santos Dumont, já são dois vôos perdidos, (…)...”
Tá aí a foto do bilhete no pijama.
Vão viver sob o mesmo teto até que a morte os una - lembro disso tocando na vitrola da sala e enquanto escrevo (são 23:12h de sexta-feira), creiam em mim, ouço a voz de Chico Buarque me repetindo o refrão.
Voltar à Curitiba, como de fato volto amanhã, dessa vez sozinho, é, no mínimo, nesse momento, a essa altura, emocionante, significativo, bonito, importante - é como se eu fosse até lá buscar o fio perdido do novelo que lá deixei naquele longínquo março de 2012 - há exatos 11 anos e 2 meses.
Vou sem destino.
Mas volto, espero, trazendo na bagagem a ponta do fio perdido do novelo que trago em mim, como trazemos todos nós, desde 1969.
A fim de que eu possa tecer - ou recomeçar a tecer -, como um tecelão, o tecido que dará sentido a tudo ou a fim de que eu possa encontrar a saída - como Teseu.
Terei de beber um pouquinho pra ter argumento, como disse meu saudoso amigo Aldir Blanc, de quem falo na seqüência.
TRÊS ANOS SEM ALDIR
O vírus maldito da COVID-19 levou pra sempre, em 04 de maio de 2020, meu orixá Aldir Blanc (aqui, contei sobre nosso último encontro, no dia 27 de abril de 2018).
Por conta do horror da pandemia, Aldir foi cremado em cerimônia testemunhada apenas por sua mulher e suas filhas - nenhum amigo, nenhuma amiga, nenhum nota de nenhum instrumento, sem o gurufim que seguramente marcaria sua despedida em tempos normais.
Ontem (escrevo em 05 de maio de 2023, e agora são 23:38h), portanto, foi o terceiro aniversário da morte desse monstro imortal que é (é, no presente!) Aldir Blanc.
E a Prefeitura do Rio de Janeiro, por iniciativa do prefeito Eduardo Paes, inaugurou, na Tijuca (na Muda, pra ser mais preciso), o Jardim Aldir Blanc.
Às 10 da manhã de ontem, uma quinta-feira, com a presença do prefeito, do deputado federal Chico Alencar (autor do projeto de lei que originou a iniciativa), do gigantesco Mello Menezes (artista plástico responsável pelo conjunto escultórico, talvez o maior e mais assíduo amigo do Aldir), de diversas autoridades e da família do compositor, vivemos, todos os presentes, a emoção que nos foi negada naquele maio de 2020.
Sabendo que Aldir não dispensava um trago de Jack Daniel´s, compareci ao evento portando um litro fechado do bourbon. E fiz minha oferenda, ofereci o ebó, dei os primeiros muitos goles a ele e depois, fiz questão, distribuí copinhos de uísque aos presentes (pouquíssima gente negou o gole) dizendo o que aprendi: beber da bebida que se oferece ao santo é trocar axé, é interagir e estar junto.
Foi uma manhã muito emocionante.
E à altura de Aldir.
E EU QUE JÁ FUI HATER?
Dia desses o legendário Bar Urca comemorou 84 anos.
Moacyr Luz, sempre muito gentil, me convidou pra festa oferecida pela casa.
Cheguei no final da tarde e sentei-me à mesa com ele, com Marluci, sua companheira, e à mesa estavam outras pessoas a quem fui apresentado.
Uma delas - logo percebi constrangido - não tirava os olhos de mim.
Em menos de dois minutos, foi direta:
— Você tinha um blog, não tinha?
Gelei.
E gelei porque dá-se sempre o seguinte… sempre que alguém me aborda assim, penso: ou vai me estender a mão pra um cumprimento ou vai me estender a faca pra me matar.
— Tinha.
Ela deu de rir. E emendou:
— Eu sou Joana Dale. Você foi meu primeiro hater.
Disse isso e gargalhou sonoramente.
Eu tentei me enterrar - claro que lembrava das minhas implacáveis perseguições, da minha implicância olímpica, das grosserias gratuitas que, à época, me davam bastante audiência mas que hoje ligeiramente me envergonham.
A bulha deu-se em 2007, há 16 anos portanto.
Fui ao Google ali mesmo, diante dela, e verifiquei que foram três, apenas três textos em que eu a desancava impiedosamente. Erguemos um brinde. Rimos todos à mesa. E eu prometi a ela que narraria a situação aqui mesmo, na newsletter.
Promessa cumprida, vamos em frente.
O PRIMEIRO CLÁSSICO
Semana passada, como lhes contei aqui, fui ao Maracanã com Leonel pra vermos Flamengo x Botafogo, seu primeiro clássico (seu segundo jogo, o primeiro foi contra o Coritiba).
Foi, mais uma vez, muito mais do que sonhei pra mim. Apenas nós dois no estádio de futebol, sozinhos, na iminência da derrota à vitória, da tragédia ao triunfo, imitação da vida.
Perdemos.
E nada me fará esquecer o afago que ele me fez no rosto logo depois do apito final, 3 a 2 pro Botafogo.
— Papai, a gente é Flamengo até morrer, né?
É, meu filho, até morrer - eu disse com os olhos que choravam às escâncaras.
A vida, como também já lhes disse, não anda nada fácil.
Repito: o chão tem me faltado muitas vezes e mesmo morando, agora, perto do mar, o horizonte se apresenta turvo. O futuro, incerto. O presente, turbulento. E o passado cada vez mais denso, cada vez mais presente, cada vez mais mimetizado com o que vivi, com o que vivo e com o que viverei.
O final de semana (já é sábado, 0:20h, pouco depois das 13h embarco sozinho pra Curitiba) promete.
Lá, longe do mar, muito provavelmente o horizonte se apresentará menos turvo.
Passearei sozinho na esperança de encontrar comigo e de me ver há 11 anos. Tenho medo, entretanto, confesso, de não me reconhecer.
E pretendo ir, no domingo, também sozinho (é preciso que eu esteja sozinho, é imperioso que eu esteja sozinho), ver Athletico Paranaense e Flamengo na Arena da Baixada.
O futebol.
De novo o futebol.
Meu time contra o time dela (timidela é horrível, eu sei).
Deve haver uma explicação pra que seja assim, desenhado desse jeito.
O IX BARREADO DE MORRETES
Trarei na bagagem farinha de Morretes e cachaça de banana, também de lá.
Porque pretendo fazer, ainda em maio, o IX Barreado de Morretes, uma marca minha, uma marca nossa, e eu ando fissurado, com crise de abstinência, pra mergulhar de novo na aventura de mais um barreado, de mais de 15, 16 horas de caldeirão no fogo, de dedicação integral, de uma noite em claro pra experimentar o prazer de abrir a tampa barreada pra que a casa seja inundada pelo cheiro do cominho, pelo cheiro de Morretes, pra que eu sinta de novo a emoção do I Barreado de Morretes, que fiz pela primeira vez - por amor - em 2013 (como lhes contei aqui).
Cozinhar - o troço é batido mas é a mais pura verdade - é das mais genuínas demonstrações de amor.
Esse nono Barreado de Morretes será dedicado à memória da vó Branca, a quem agradeci, publicamente, em 2013 (no texto cujo link disponibilizei logo acima). Agora, do Orum, ela fará o mesmo que fez há 10 anos, tenho certeza. Como lhes contei lá:
“Meu agradecimento, por fim, à vó Branca – (…) – que me trouxe de volta a delícia de ter avó. Foi pra ela que eu liguei, na noite do sábado, como quem não quer nada, pedindo que ela rezasse, lá de Ponta Grossa, pro meu Barreado de Morretes dar certo.”.
Até.
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