Antes de entrar no tema que dá título à newsletter de hoje, e até porque a história passou-se em Copacabana, quero trazer à tona a tragédia que expus aqui:
“Dia desses encontrei um amigo a quem não encontrava há meses, há muitos meses - eu diria que há quase um ano, mas tenho medo do exagero.
Demos de expor a vida um ao outro.
Em menos de cinco minutos estávamos - ambos curiosos com a vida alheia - ancorados no balcão do botequim mais próximo.
Importante dizer que a assistência fingia não prestar atenção ao que dizíamos; sem sucesso.
Fazíamos confissões inconfessáveis.
Dizíamos coisas, diria minha bisavó, do arco da velha.
Mas será o Benedito?!, eu escutava a voz de minha bisavó - minha fantasma preferida - reagindo às confissões impublicáveis de seu bisneto.
Percebi, inclusive, que todos deixaram seus celulares de lado para prestarem atenção, fixamente, ao que falávamos. Era quase uma peça de teatro. Por pouco não espocaram os aplausos dos mais emocionados ou as vaias dos conservadores.
À certa altura, ele mais excitado do que eu, espetou o indicador no meu peito e foi direto:
— Você está apaixonado?
Fui mais direto do que ele:
— Tô.
E ele arfando, de joelhos, pedindo mais uma cerveja com um gesto de mãos ao garçom, disse:
— Desembucha! Por quem?
A assistência fazia ferver o frêmito coletivo.
— Por mim mesmo.
Minha resposta, franquíssima, de certo modo frustrou o amigo a que aludi - e de certo modo, também, o público.
Fato é que estou assim, apaixonadíssimo por mim mesmo.
E tendo estado assim, em boa parte do tempo sozinho, foi que ouvi uma história (contada por um outro amigo) envolvendo um conhecido nosso que é, por tudo, tristíssima.
Foi o próprio que me pediu:
— Conta na newsletter!
Eis-me aqui, vassalo dos meus leitores, atendendo a seu apelo.
Apaixonou-se avassaladoramente, o sujeito a que me refiro.
Casado. Com filhos. Infelicíssimo no casamento que já se arrastava há quase uma década. Fazia, o infeliz, queixas gravíssimas contra a esposa. Não gostava de nada, a pobre diaba. Nem de mim, ele gemia pelas ruas de Copacabana, onde morava. Nem de mim, repetia como um zumbi.
Desde o dia em que percebeu que estava apaixonado, o relato é dos amigos mais próximos, passou a ter nos olhos um brilho que jamais o havia enfeitado. E foi nutrindo pelo alvo de sua paixão uma espécie de fascínio, de idolatria, e mesmo de fanatismo.
Os encontros subversivos, que antes aconteciam uma, duas vezes por semana, passaram a ser diários.
O pudor foi escapando das mãos dos amantes: beijavam-se nas ruas, nos táxis, nos restaurantes (iam muito a restaurantes), nos shoppings, em todos os cantos da cidade. O risco era sempre iminente, o que dava cores de tragédia ainda maior para o romance inédito.
Até que um dia (a história também me foi contada diante do balcão de um bar e nesse dia, juro!, um cidadão que bebia conhaque como quem bebe água chorou sofregamente ouvindo a tragédia) deu-se a bulha.
Os amantes estavam comendo bolinho de bacalhau em um botequim na zona norte da cidade (Tijuca ou Grajaú, não tenho certeza, disse o noticiante) quando chega a esposa do pai de família.
Arrastou, à força, o marido pra fora do estabelecimento.
Antes, fez questão de pagar a conta:
— Despesa do meu homem é por minha conta! - gritou a histérica para assombro de todos.
O que se seguiu, eis o mistério que assolava a mente do meu amigo até aquele instante (e até hoje, chequei há pouco), ninguém sabe.
Sabe-se, apenas, que quem ficou diante do balcão comendo bolinho de bacalhau em meio à solidão e ao abandono repentinos recebeu sucinta mensagem em seu celular.
Eis o teor da (curtíssima) mensagem: não me procure mais, optei pela mediocridade.
Há quem opte por morrer em vida.
O horror dos horrores.”
FERIADO O TEMPO TODO
Estou aqui - em Copacabana - desde janeiro, depois de 53 anos e 9 meses de Tijuca (com um intervalo de 5 anos, os mais tristes da minha vida, vivendo na Lagoa, um anti-bairro).
E a mudança veio trazendo mudanças ainda mais radicais: em pouco mais de 3 meses eu estava separado. Roberto, o dono do CTI das Almas, botequim na rua Martins Pena, na Tijuca, ao lado do prédio em que morávamos, deu de espalhar assim que soube da novidade:
— Eu sabia que essa ida pra Copacabana não ia dar certo. Casadinho na Tijuca. Agora tá aí, deu no que deu.
Fato é que estou aqui, na Tijuca com maresia - expressão que usei quando concedi entrevista para o jornalista Sérgio Rodas para a Piauí (edição 201) - transcrevi aqui matéria na íntegra.
E daqui, pasmem, não quero mais sair.
É sempre feriado em Copacabana (era o que eu queria lhes contar desde o início). Eu desço às nove da noite, à uma, duas da manhã, para espairecer numa caminhada no calçadão, e esbarro numa multidão.
O mesmo, diga-se, não se dá em Ipanema ou no Leblon. Lá estão os turistas endinheirados do Brasil afora, que querem viver a experiência (é de propósito que uso a detestável palavra) da zona sul carioca.
Você sai tarde da noite para uma voltinha na Vieira Souto ou na Delfim Moreira e não há viva alma no pedaço.
Já na Atlântica… sai da frente! Tudo ferve: quiosques lotados, bicicletas pra cima e pra baixo, casais transando na areia, à beira-mar, turistas estrangeiros e turistas brasileiros (com ampla vantagem numérica dos mineiros) muito mais simples do que os que preferem as praias depois do Arpoador.
Por aqui há uma profusão quase inconcebível de velhos e de velhas, há um permanente ranger de rodas das cadeiras-de-roda que os acompanhantes e as enfermeiras empurram pelas calçadas do bairro levando gente encarquilhada, há fofoca em cada esquina, um constante tomar-conta da vida alheia, há muitos pontos de bicho, botequins em profusão, e isso tudo faz com que Copacabana - repito - seja, de fato, a Tijuca com maresia.
Volto ao tema, esmiuçando ainda mais as muitas semelhanças entre os dois bairros e a festa que há no meu coração a cada vez que saio de casa.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, o texto Botafogo, publicado em 30 de setembro de 2013. Lá, foi dedicado a meu amigo manauara, Alfredo.
Hoje, 10 anos depois, vai também pra dois amores meus: Marianna Araujo e Rodrigo Carvalho, botafoguenses de escol que estão aí, sofrendo, a um passo de mais um título brasileiro.
(para Alfredo Barroso da Costa Lima Jr.)
A primeira imagem que me vem à cabeça quando penso no Botafogo, a mais ancestral das imagens, é a de um escudo que havia na cozinha de azulejos azuis e brancos até a metade da parede da casa de meus avós, na casa 4 da vila da rua São Francisco Xavier 84. Não era um escudo qualquer. Era um escudo todo ele feito de palitos de fósforo, a estrela solitária reluzindo na parede ao lado da porta que interligava a cozinha à sala e à escada, de mármore, já que a casa ficava no segundo andar.
Ah, essa casa de ancestrais memórias, de ancestrais lembranças – dentre elas, esse escudo do Botafogo que me impressionava demais por conta das centenas de palitos de fósforo que desenhavam o símbolo do time de minha bisavó, que morava com meus avós.
Vovó dizia que não tinha time. Meu avô, que esteve no Maracanã na final de 1950 e nunca mais voltou a um estádio de futebol por força do trauma, era Flamengo. Minha bisavó, Mathilde, que lá morava com a irmã, minha tia Idinha, é que era Botafogo (as duas, aliás).
E minha bisavó, uma notável contadora de histórias, me repetia, como em ladainha, sempre que estávamos na cozinha e eu apontava para o tal escudo:
– A maior goleada da história do futebol foi do Botafogo! 24 a zero! 24 a zero!
Sua irmã, a tia Idinha, gemia ao seu lado:
– Vinte e quatro! Vinte e quatro!
Eram Botafogo, também, seus filhos – meus tios: tio Carlos Henrique, tio Chico e tio Sílvio.
Guardo deles, no que diz respeito ao futebol, uma particular lembrança: os três reunidos (paparicavam, de forma olímpica, minha bisavó) se lamuriando, em coro, contra o jejum de títulos do Botafogo (que duraria, ai deles se soubessem, 21 longos anos).
No último sábado, à noite, depois da surpreendente derrota do Botafogo para o Bahia, o relógio marcava 23h20min quando estrilou meu celular. De Manaus, o Alfredo – um dos presentes que a grande rede me deu. Alvinegro de quatro costados, chorava como criança quando eu atendi. E gania, do outro lado da linha, a mais de 4.000 quilômetros de distância:
– Por que o Botafogo faz isso comigo?
Lembrei-me, vá entender, quando desligamos, de meus tios, de minha bisavó, de minha tia Idinha, todos mortos.
Fui dormir sob o impacto daqueles soluços violentos e sonoros do Alfredo. Sob o signo da saudade de todos os meus mortos, daquela vila, daquele tempo, daquele escudo.
Saudade sobretudo daquele escudo de fósforos que formavam a estrela solitária do Botafogo.
Lembrei-me do verso de Aldir Blanc – “estrela é só um incêndio na solidão” -, liguei o “incêndio” do samba aos fósforos do escudo e fui dormir assim, com uma nostalgia paquidérmica, dessas que – tenho certeza e certa inveja… – somente um botafoguense sabe curtir.
Até”.
ELIS E TOM, O FILME
Fui ver Elis e Tom - só tinha que ser com você no dia da estréia.
Quase 50 anos depois do lançamento do disco gravado em Los Angeles, chega aos cinemas o filme que conta (e mostra, em imagens inéditas!) os bastidores da gravação de um dos mais icônicos longplays da história da música popular.
É preciso que o filme seja visto e revisto.
É preciso que as novas gerações assistam ao filme para que se deparem com a insofismável verdade: nunca houve e nunca haverá uma cantora como Elis Regina.
Era - quase em tom de provocação - o que eu queria lhes dizer.
Saindo do filme, num movimento naturalíssimo, dei de ouvir (mais e mais e mais) Elis Regina.
E lembrei-me desse vídeo que mostra Elis cantando Cobra Criada em Montreux, em 1979.
Elis cantando um absurdo acompanhada por César Camargo Mariano (teclados), Luizão Maia (baixo), Hélio Delmiro (guitarra), Paulinho Braga (bateria) e Chico Batera (percussão).
Uma aula.
Assistam.
É demais pro meu coração.
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
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De umas semanas pra cá, como venho dizendo, um troço me chamou à atenção.
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Você que tá chegando agora, considere essa possibilidade.
A casa agradece.
UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, a playlist que montei, há umas semanas, no Spotify.
Nas últimas edições eu já indiquei a playlist a vocês, que me lêem.
Mas eu a incrementei.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e traz as canções que mais gosto e que têm a cidade do Rio de Janeiro como referência - e ela está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
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