Há umas semanas publiquei Digressões sobre o Rio, texto que pode ser lido aqui. E foi, faço desde já a confissão, dos textos que mais e-mails me rendeu - quase todos elogiosos. Eu disse quase todos elogiosos mas me corrijo na seqüência: todos elogiosos. E o adendo: todos elogiosos, menos um.
Um único e-mail, um solitário e escasso e-mail, me esculhambava. Vou explicar.
A bem da verdade o dito e-mail nem fora endereçado a mim. Uma amiga, assinante de primeira hora da newsletter, minha amiga de há muitos anos, mandou e-mail para uma amiga sua (a quem, por acaso, conheço [reconheci logo o nome posto no espaço dedicado ao destinatário]) encaminhando o texto a que me referi com uma frase sintética:
“Muito boas as crônicas do Edu.”
Essa e apenas essa frase encaminhava o Digressões sobre o Rio. Ocorre que a destinatária, uma grã-fina (como já disse, eu a conheço), na hora de responder à nossa amiga em comum, o fez com cópia para mim - evidentemente sem querer fazê-lo. E eis o que seu e-mail resposta dizia:
“Divertido!! Mas o assunto dele é sempre esse dos botecos… é impressionante como ele só se referencia pelos botecos…
Obrigada.”
Aquilo foi uma punhalada - sou, eis mais uma confissão que faço, um pavão, um sujeito que gosta do que escreve. Um sujeito que gosta do que escreve e que lê e relê o que escreve, que lê em voz alta o que escreve, que chora ou que ri (ou que chora e que ri ao mesmo tempo) lendo o que escreve. E essa frase que deu a entender que sou maçante, repetitivo, medíocre, me deixou, num primeiro momento, destruído (apesar das tímidas duas exclamações depois da palavra divertido).
E percebam: a grã-fina me reduziu a um mísero cronista de botequim (o que muito me orgulha, diga-se).
Reli: “Mas o assunto dele é sempre esse dos botecos… é impressionante como ele só se referencia para botecos…”.
Essas reticências depois da palavra botecos e que dão o tom de enfado, então, soaram como se fosse minha condenação ao degredo.
Mas me refiz com alguma rapidez.
Enxergo o mundo, é um fato, a partir do balcão de um botequim (um microcosmo que diz muito sobre o mundo).
É meu platô de observação do mundo, da vida, das pessoas.
Está tudo ali, como aprendi com o orixá que conheci em vida, Aldir Blanc (ele que fez anos ontem, 02 de setembro, e escrevo fez no presente porque Aldir mantém-se presente em mim desde que foi oló).
Um dia perguntei a ele:
— De onde você tira tanta imaginação pra tantas histórias, crônicas, letras… de onde?
E ele (jamais me esqueci da resposta e do conselho):
— Não tem imaginação, meu chapa. Eu só tenho olhos de ver e ouvidos de ouvir. Encoste no balcão de um botequim e beba sua cerveja sem pressa, atento a tudo à sua volta. Você vai ver: tá tudo ali, Edu, tá tudo pronto, personagens, enredos, dramas, tramas, tragédias, comédia… tá tudo ali…
A grã-fina que me perdoe.
Mas seguirei tendo os botecos como referência.
UM PACTO QUEBRADO
Decidi, há um mês mais ou menos, que ficaria sem beber de 15 de agosto (uma segunda-feira, dia clássico para o início de planos mirabolantes que geralmente não são cumpridos) a 15 de outubro, véspera de minha viagem para Londres (irei, também, a Paris, visitar meu irmão caçula que mora lá).
Justificativas não me faltavam: desde abril, quando tivemos o Carnaval de 2022, eu vinha bebendo como um cossaco. Outra: beberei à larga durante a viagem, nada como uma desintoxicação de dois meses, tempo um pouco mais estendido do que o tempo da Quaresma - que não obedeço desde 2020 (foi a última) por conta da pandemia.
Fato é que atravessei o dia 15 sem beber (isso não acontecia desde abril). Dia 16 também. Também o 17 e o 18.
Só que no dia 19 pela manhã, uma sexta-feira, me chegou a notícia: Moacyr Luz quebrara as duas mãos. Havíamos nos encontrado no dia 18 à noite no Bar do Momo para um evento que comemorou os 50 anos do icônico botequim tijucano. Eu a seco. E ele com as mãos inchadas, havia caído…
Só no dia seguinte, durante consulta com um ortopedista, veio a confirmação de que havia fraturado as duas mãos, e teria de operar.
A Morena entrou em pânico (é, além de amiga dedicada, fã absoluta do Moa, a quem conheço há 30 anos):
— Precisamos fazer um jantar pro Moacyr, tadinho… e amanhã! Ele opera na segunda, quero vê-lo.
Acionei a Marluci, falei com Moa, combinamos: faríamos um jantar na Maison Goldenberg & Piana no dia seguinte, sábado, 20 de agosto (seria meu sexto dia sem álcool).
Às oito da noite chegam Moa e Marluci.
Ele, invertendo a lógica da etiqueta, mandou:
— O que bebemos?
Eu:
— Você, o que você quiser. Eu preparo. Eu tô sem beber.
Achei que ele fosse ter um troço:
— Por que?!
— Fiz um pacto com o Simas [ele também presente, com Candinha].
— Pacto?
— Pacto.
E ele, ainda de pé e já abrindo a porta da adega:
— Porra, eu quebrei as duas mãos… - fez uma pausa dramática.
E emendou:
— Você não pode quebrar um pacto, cacete?!
Já passava da meia-noite quando nos despedimos, trôpegos.
PÃO COM MORTADELA
Cirurgia nas duas mãos marcada pra segunda-feira, 22 de agosto.
Eu buscando informações com a Marluci, até que ela me diz:
— Ele pediu pra eu, mais tarde, comprar pão com mortadela.
Fiz questão de dizer:
— Deixa comigo! Mando entregar aí.
Vejam que poético. O Moa, na maca, a caminho do centro cirúrgico, gemeu em direção à companheira, fiel escudeira, um pedido tão simples…
Aliás, pausa: ele é uma máquina.
Operação na segunda, alta na terça, embarque pro Chile na quarta, shows sexta e sábado no país vizinho. Voltemos.
Corri pra padaria mais próxima, a festejada Rita de Cássia, e providenciei pães franceses, manteiga, queijo prato e uma boa quantidade de mortadela. Mandei entregar na clínica e, poucas horas depois, uma eufórica Marluci comentava sobre o êxito que foi o procedimento e sobre o lanche magnânimo que Moacyr fazia já no quarto, lambendo os beiços e os enxugando com a tala.
Atentem pra cronologia: ele teve alta na terça-feira na hora do almoço.
E à noite jantávamos na Churrascaria Palace, em Copacabana, festejando o aniversário de João Donato.
Na quarta-feira pela manhã, já no Galeão, embarcou para a capital chilena.
E de certo modo lamentando a coincidência de datas que o impediria de estar, no dia seguinte - quinta-feira - na Maison Goldenberg & Piana, quando receberíamos Maria Rita para jantar. Conto na seqüência.
DESSE JEITO
Era domingo, Dia dos Pais, Flávia estava na Colômbia a trabalho mas mesmo assim, aliás por conta de idéia dela, fiz um almoço na MG&P (Felipe, o padrinho de Leonel, estava no Rio, hospedado em casa). Chamei meus pais, meu irmão com a mulher, Guga com a Mari, Simas com Candinha, e já no final do dia, Leonel dormindo, eu e Simão na cozinha, estávamos ouvindo Maria Rita cantando Desse jeito, samba de autoria de Fred Camacho e dele, o próprio, Luiz Antonio Simas.
Encorajado pelo tanto de birita do dia inteiro, disse ao Simão enquanto o samba tocava em looping.
— Vou convidar a Maria Rita pra jantar aqui em casa.
Simas cuspiu o vinho que tinha na boca:
— Tá maluco? Você a conhece?
— Não, e você?
— Não também.
— Então pronto.
E mandei a mensagem (como sou preciso do início ao fim, acabei de checar no celular: mandei a mensagem às 22:44h) perguntando se ela toparia um jantar em casa, Simão junto.
A resposta veio logo, às 23:07:
— Óbvio!
Simas:
— Tu é maluco, Edu.
E marcamos pra 25 de agosto (logo chamei também o Moacyr, que me contou da viagem pro Chile).
Chamei João Bosco também - mas ele estaria em São Paulo fazendo show com Hamilton de Holanda.
Tive uma sacada (o uso do termo é proposital) quando chamei minha mais-que-querida Fabi Alvim, topou na hora.
Foi, vocês que me lêem, uma noite de não se esquecer.
Na foto abaixo, Maria Rita, Fabi, Flávia, Simas e Candinha.
Foram horas de muita conversa, de muita música, de muitas histórias e foram 22 (vinte e duas!) garrafas de vinho.
O furdunço, inesquecível - repito -, foi até cinco horas da manhã.
Maria Rita saiu deixando a promessa de ir à forra em sua casa - ocasião na qual farei o já famosíssimo arroz de pato (receita do Julinho, como contei aqui).
Mesmo ausentes - e por força das mágicas que acontecem quando dá tudo certo - Moacyr Luz e João Bosco estiveram presentes.
Se você ainda não conhece Desse jeito, ouça e assista ao clipe oficial, que está lindíssimo.
Eu não tenho dúvida alguma de que o 25 de agosto marcou o início de uma história muito bacana que une gente que a gente gosta e que ainda vai render muita coisa boa: pra se contar e pra se contar.
Tomem nota.
MEMORABILIA
Já que falei do início de uma história muito bacana que ainda vai render muita coisa boa pra se contar e pra se cantar, a seção memorabilia de hoje traz a dedicatória que Moacyr Luz fez quando me deu de presente, no dia do meu 27º aniversário, uma fita K-7 contendo uma série de canções inéditas, projeto seu que levou quase dez anos até conseguir realizá-lo: poemas que falam do Rio de Janeiro musicados por ele.
Mil novecentos e noventa e seis.
Lá se vão 26 anos.
É nela - na saudade - que tudo que amei sobrevive, como me ensinou Blanc.
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