UM BAIRRO BOTÂNICO
“Há muito que Botafogo deixou de ser um bairro.
Botafogo é, hoje, um camarim.”
Assim abri o texto de semana retrasada, que pode ser lido na íntegra aqui.
Na semana seguinte, a passada, eu disse:
“Leitores e leitoras, se valendo de e-mails e de mensagens enviadas pelas mais variadas redes sociais, não esconderam a euforia e rasgaram os mais agudos elogios ao que lancei ali, naquelas linhas que pretenderam ler (há uma tribo que adora isso) a alma dos moradores e dos freqüentadores de Botafogo, outrora um bairro mais apagado que o Grajaú.
Hoje é um Grajaú com mais bares e com mais restaurantes.”
Esse segundo texto pode ser lido aqui.
Fechando a trilogia sobre o bairro diminutivo - tem barzinho, Marchezinho, Quartinho, o pessoal fuma um tabaquinho e outros bichos - quero lhes contar um episódio real que dá bem a dimensão do que tento lhes dizer há semanas sobre o bairro-passagem.
Sentei-me num bar (prefiro omitir o nome) com um amigo. Poucas mesas (quatro ou cinco) e muitos garçons e garçonetes com lenços padronizados na cabeça circulando. Pedimos uma cerveja, uma porção de jiló, falávamos sobre a rodada do Campeonato Brasileiro, até que chegou um sujeito com calça de linho pescando siri, camisa de malha do PSOL, meias listradas, sapato de palhaço, um brinco de argola imenso na orelha direita e carregando um vaso de planta - era uma jibóia.
Sentou-se, pousou o vaso diante de si e eu mesmo ouvi:
— Pronto! Espera aqui rapidinho que papai vai ao banheiro. - deu um beijo numa das folhas, fez festinha na jibóia e tomou o rumo dos fundos do bar.
Pensei de mim para mim: é uma peça.
Só podia.
Mas a coisa não parou por ali.
Menos de dois minutos depois, o sujeito já de volta à mesa, entra uma jovem - eu diria que uma jovem de 25, 26 anos.
Ela tem nas mãos um regador e uma garrafa de San Pellegrino.
Ele se levanta e surta, se dirigindo ao vaso diante de si:
— Olha quem chegou! Sua dinda!
E dão um abraço, os dois, muito efusivo.
Se balançam, como pêndulos, fazem festinha nas costas um do outro (eu tinha a visão das costas da jovem e via que o rapaz fazia cosquinhas com o metacarpo da mão direita nas costas da amiga), até que sentam.
Ele, de novo olhando pra jibóia:
— Sua dinda trouxe sua água!
Ela rosqueou a tampa da garrafa, encheu com cuidado o regador galvanizado que trouxera e deu de servir a caríssima água para a jibóia.
Ele sacou do celular - um iPhone 15 que trouxera há poucos dias de NY, ouvi ele dizer - e deu de filmar a rega.
Meu amigo estava praticamente no chão, tossindo de tanto que ria, chamei um dos garçons. Fui direto.
— Meu chapa… o que é isso?
— Aos sábados temos o encontro dos pais e mães de plantas aqui no bar.
Estendi uma nota de 50 reais.
— Pode ficar com o troco.
— O senhor não vai esperar o jiló?
Parece mentira - eu sei que é o que você, que me lê, está pensando.
Mas não é.
Botafogo é uma pose.
E é mesmo inacreditável.
Volto ao tema.
JARDIM BOTÂNICO
Estou aí há coisa de três semanas deitando olhos sobre Botafogo.
Hoje quis tratar da faceta botânica do bairro-teatro - e foi inevitável lembrar do Jardim Botânico, outro bairro na zona sul da cidade igualmente peculiar (como, aliás, todos os bairros são).
E farei, aqui, brevíssimas digressões sobre esse bairro curioso - já explico o porquê do uso da palavra curioso.
Sempre que vou ao Jardim Botânico - e vale aqui dizer que aquele corredor imenso da rua que empresta o nome ao bairro (que se estende do Humaitá até a Gávea) nada mais é do que uma Dias da Cruz mais arborizada - saio com a mesma impressão: todo mundo é PhD no Jardim Botânico.
Há nos olhos e na angulação do queixo (e conseqüentemente no nariz) do morador do Jardim Botânico uma legenda imaginária em neon onde se lê: eu moro no Jardim Botânico.
Diga-se ainda, sobre o referido bairro, que talvez só no Leblon haja tantas babás uniformizadas pelas ruas.
Você entra, por exemplo, num dia de semana, no Parque Lage ou no Jardim Botânico, e o susto visual é tremendo e imediato: uma quantidade colossal de carrinhos coloridos de bebês brancos e de babás negras com uniformes alvíssimos engarrafando as alamedas dos dois agradáveis parques.
Volto ao bairro - e ao tema - em brevíssimo.
Senti leve enjôo lembrando do engarrafamento de babás na alameda de entrada do Parque Lage.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, o texto Os coletivos, publicado em 10 de março de 2016. Tão atual, o texto, que vou deixar em negrito as passagens que evidenciam o quanto eu estava certo, já há pouco mais de sete anos.
“Hoje, finalmente, cumpro a palavra que empenhei ao Raphael Vidal, o Maluco Fundamental, figura imprescindível para a minha mui amada e leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Escrevi, em 07 de março, aqui, que não há nada mais inviável do que um coletivo. Foi publicar isso e ouvir, daqui, as gargalhadas que vieram rolando do Morro da Conceição, atravessaram a Rio Branco nos trilhos do VLT e vieram até o Castelo: era o Vidal, a confissão é dele, gargalhando às escâncaras diante da minha humílima declaração. Hoje, portanto, debruço-me o palpitante tema dos coletivos.
Os coletivos são, nada mais, nada menos, do que grupelhos dedicados a um tema de interesse comum a todos os seus membros. Explico: Aderbal e Adelaide adoram gastronomia. Gastam seus tempos pesquisando sobre ingredientes, sobre a culinária regional, receitas, essas bossas. Até que um deles – digamos que o Aderbal – diz:
– Vamos montar um coletivo?
E há, nos olhos, na boca e na expressão corporal da Adelaide, uma excitação de primeira noite.
– Vamos! – diz lânguida, a Adelaide, tendo quase um surto de umidade.
Daí Aderbal e Adelaide percebem que estão diante de uma olada e criam, assim, num só diálogo curtíssimo, um coletivo de gastronomia. Passam, dali em diante, a assumir nova postura. Encontram o Setúbal, amigo comum. Diz, o Setúbal:
– Opa! Tudo bom?
– Criamos um coletivo! – como cegos e surdos, não ouvem mais nada, não respondem nada, estão integralmente voltados para o projeto (todo coletivo é, também, um projeto).
Eis que o Setúbal saliva, não esconde a inveja e a cobiça e, ele também excitadíssimo, pergunta como fazer para fazer parte do coletivo. E esse movimento, que não cessa, faz com que em – o quê? – 10, 15 dias, esteja criado (e grande, e cheio de adeptos, seguidores e membros) o coletivo que nasceu do desejo comum de Aderbal e Adelaide.
Vai daí que temos, hoje, coletivos de gastronomia, de artes cênicas (teatro, sobretudo), de fotografia, de cinema, de tudo. E há, em todos os coletivos, um enfado criativo que dá dó. E de mãos dadas com o enfado, uma ira incontida contra tudo o que está, digamos, estabelecido há 10, 20, 50, 100, 1.000 anos. A idéia central dos coletivos é repensar o mundo (todos os coletivos, sem exceção, repensam o mundo sem que se mova uma palha no entorno deles). E repensar o mundo para os membros de um coletivo é, obrigatoriamente, contestar tudo, de tudo discordar, vociferar contra tudo e contra todos. Eu seria capaz, sem medo do erro, de dizer que todos os coletivos juntos formariam uma espécie de país imaginário: têm, os membros de um coletivo, essa intenção (sem que ninguém tenha lhes pedido rigorosamente nada) de destruir as estruturas estabelecidas para reerguê-las sobre pilares mais sólidos (pilares mais sólidos é como pigarro para os velhos na boca desses jovens). Há, nos membros de um coletivo, uma arrogância disfarçada de candura; uma fúria disfarçada de pacifismo; lampejos de genialidade que não são nada além de nada.
Notem que os coletivos promovem debates, reuniões, ciclos, mesas, seminários, congressos, ocupações, atos, manifestos, e toda a assistência desses debates, dessas reuniões, desses ciclos, dessas mesas, desses seminários, desses congressos, dessas ocupações, desses atos e desses manifestos são eles mesmos, que se revezam, esquizofrenicamente, no papel de expositor e de público, de debatedor e de mediador, de artista e de platéia, num movimento inviável e incapaz de produzir qualquer coisa que tenha eficácia ou utilidade para além de suas fronteiras (embora sejam, os coletivos, também contra as fronteiras).
Não sei se fui exatamente claro, Raphael Vidal (é para ele e apenas para ele que estou escrevendo). Prometo voltar ao tema em brevíssimo.
Até.”
BETH CARVALHO EM MARICÁ - O SAMBA É AQUI
Em brevíssimo chegará às suas mãos o livraço - no tamanho, na beleza e na importância - Beth Carvalho em Maricá - o samba é aqui.
Ufanismos à parte, o livro - uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Maricá - é uma beleza.
São 720 páginas, um tijolaço, centenas de fotografias (coloridas e em preto-e-branco), curadoria de Gringo Cardia e Luiz Antonio Simas e textos de muita gente que entende do que fala como Diogo Cunha, Hugo Sukman, Rildo Hora, Leci Brandão e, modestamente, eu.
A mim coube escrever sobre a faceta política de Elizabeth Santos Leal de Carvalho, e o fiz com o texto Beth Carvalho: até morrer, pelo Brasil.
E aliás e a propósito, um fato que me comoveu sobremaneira ontem.
Participei mais uma vez de uma Reunião do Secretariado do prefeito Eduardo Paes, que faz neste terceiro mandato seu melhor governo.
O encontro foi no Hotel Windsor Guanabara.
E foi inevitável lembrar do dia 10 de abril de 1984.
Eu, com 14 anos de idade, às vésperas de fazer 15, fui levado para o hotel justamente por ela, Beth Carvalho, e por Leonel Brizola (que era, à época, Governador do Rio de Janeiro).
Ela desceu pra cantar.
Ele desceu pra discursar.
E eu fiquei de lá, da janela do andar ocupado pelo PDT e pelo Cerimonial do Governo do Estado, assistindo ao maior comício da história da cidade, mais de um milhão de pessoas na Candelária.
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
ASSINATURAS DA NEWSLETTER
De uns meses pra cá, como venho dizendo, um troço me chamou à atenção.
Chegaram assinantes novos que optaram pela assinatura paga.
A partir de agora somente os assinantes pagos estão habilitados a comentar os textos publicados.
Você que tá chegando agora, considere essa possibilidade.
A casa agradece.
UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, a playlist que montei, há umas semanas, no Spotify.
Nas últimas edições eu já indiquei a playlist a vocês, que me lêem.
Mas eu a incrementei.
Ei-la; ela está aqui ou, se preferir, ouça já!
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e traz as canções que mais gosto e que têm a cidade do Rio de Janeiro como referência - e ela está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
Podemos continuar o papo (e você pode saber mais sobre mim, nessa exposição permanente que são as ~redes sociais~) no Twitter | no Instagram | ou no YouTube
Dúvidas, sugestões, críticas? É só responder esse e-mail ou escrever para edugoldenberg@gmail.com
📩 Se você gostou do que viu aqui e ainda não assina a newsletter, inscreva-se no botão abaixo e receba por e-mail, uma vez por semana, sempre aos sábados, o Buteco do Edu. E se você achar que algum amigo ou alguma amiga pode se interessar pelo papo de botequim, encaminhe esse e-mail, essa newsletter, faça correr mundo esse balcão virtual.