No último texto publicado - Luz às vésperas dos meus 54 -, que pode ser lido aqui, escrevi, à certa altura:
“Um clássico do Moa: aliás, um traço que temos em comum. Somos ansiosos - com festa ainda mais. Gostamos dos bastidores, da cozinha sendo armada, do gelo chegando, dos testes dos drinks, do cheiro do refogado.”
O referido trecho causou, na assistência da newsletter, uma euforia. Recebi diversos e-mails destacando essa passagem, mensagens por vários meios, e uma ainda mais efusiva de meu caro, meu querido e meu saudoso Rodrigo Carvalho que, da capital britânica, enviou-me efusiva mensagem mais do que elogiando o tal trecho: em tom de súplica, um de seus mais marcantes traços, implorava, de joelhos - foi assim que vi a cena - para que eu falasse mais sobre o assunto.
Vamos, então, ao que interessa. E começo repetindo o mote.
Eu e Moacyr Luz temos um traço em comum (são muitos mas quero me ater a esse): somos ansiosos - com festa ainda mais. Gostamos dos bastidores, da cozinha sendo armada, do gelo chegando, dos testes dos drinks, do cheiro do refogado.
E faço uma pausa: o Moa chegou mais cedo na sexta-feira, pro jantar (camarão na moranga). Como lhes contei:
“Jantar marcado pra 19h.
Moacyr Luz, que havia feito aniversário dois dias antes, mandou-me mensagem às 16h.
Vou ser bem sincero: queria ir pra aí já.
(…)
Antes das cinco da tarde ele estava no pedaço. “
No sábado, quando preparei a feijoada, Moa ligou às nove da manhã perguntando se podia chegar mais cedo. Eu disse que sim. Segundos depois tocou o interfone:
— Alô?
— Sou eu, Moacyr.
— Já?
— É. Já liguei daqui da portaria. Tu deixou vir mais cedo ontem… imaginei que não teria problema hoje.
Que tal?
Voltemos.
PANO DE PRATO NO OMBRO
Eu era um moleque. Década de 80, seguramente.
Fui a um pagode daqueles no Cafofo da Surica, em Madureira - Oswaldo Cruz, mais precisamente.
Surica preparava sua famosa feijoada.
Eu, desde sempre interessado nas mumunhas da cozinha (sempre, de longe, o melhor lugar pra se ficar durante um furdunço), sem nenhuma intimidade com a dona da casa, fui até a beira do fogão.
Surica mexia o caldeirão usando uma colher de pau.
— Tia Surica… qual o segredo desse seu feijão, hein?!
Lembro-me com nitidez da cena. Fumando, sem largar a colher de pau, virou-se pra mim, enxugou a testa com um pano de prato que pendia do ombro e disse:
— O segredo é esse pano de prato aqui, ó. O tempo todo no ombro.
E virou-se pro caldeirão.
Virou regra pra mim.
Só cozinho com um pano de prato no ombro: é o segredo.
Mas vamos ao que interessa.
COZINHAR É RITO E REZA
É mais que gostar dos bastidores, da cozinha sendo armada, do gelo chegando, dos testes dos drinks, do cheiro do refogado. O rito de cozinhar começa no instante em que você pensa no quê fazer. No meu caso, geralmente no instante em que penso no quê fazer pra um batalhão - sou dos que preferem cozinhar pra muita gente.
Pensar nos ingredientes, sair pra comprá-los, escolher tudo com esmero. Quando envolve feira, então, a coisa fica ainda mais bonita. As barracas, os feirantes de fé, a rua, o axé do mercado.
E a depender do prato, preparar a marinada, os temperos, a vinha d´alhos, os cheiros que vão tomando conta da cozinha e da casa.
As tábuas sobre a bancada da pia. As facas, depois de amoladas na pedra, a postos pro serviço. A praça montada. A bebida escolhida pra te fazer companhia, o primeiro gole que dá novas cores ao dia. E o pano de prato no ombro. O refogado que chia no fundo da panela, a fumaça, o cheiro de cebola e alho, as lembranças que vêm vindo, a casa da minha tia Noêmia em festa, uma mistura de sons, a fritura, a gargalhada, o gelo tilintando no copo, a lâmina do facão batucando na tábua de madeira, os ritmos, o suor, o cheiro da minha bisavó me emocionando, a casa enchendo, os convidados chegando, a sinfonia das garrafas batendo umas nas outras, brindes, festa, e o pano de pano no ombro.
Cozinhar é rito e reza.
É demonstração efetiva de amor.
É entrega.
E o pano de prato no ombro.
O PRIMEIRO MARACANÃ DE LEONEL
À emoção da escrever sobre cozinhar se segue a emoção que se anuncia maiúscula.
Em 2019, Leonel não tinha 2 anos, na véspera da grande final da Libertadores, fui com ele à Gávea pra entrar no clima da grande final e pra apresentar ao piá a sede do Flamengo.
Diante da estátua do Zico (foto abaixo), chorei.
Quando se diz que o futebol é maior que a vida é também por conta disso: eu, já burro velho, com 50 anos, o filho pequeno no colo, desabei diante da imagem do grande ídolo, o homem que embalou meus domingos, meus sonhos de conquistar o mundo, o homem que me vingava - e à imensa nação rubro-negra - de toda derrota da vida a cada gol.
Prometi a mim mesmo que levaria Leonel pra conhecer o Zico - “o nosso Rei”, eu disse a ele.
E já lhes contei aqui (A vida em looping) e aqui (Paixão, amor e herança) um pouco sobre essas emoções.
Mas o looping não para e o melhor está por vir.
Domingo, 16 de abril, Flamengo e Coritiba se enfrentam no Maracanã (que meu piá ainda chama de Macaranã). Vem bem a calhar já que Morena é torcedora do Furacão e poderá se dedicar com afinco à tarefa de torcer pro time do filho (afinal, a camisa rubro-negra só se veste por amor).
Levaremos Leonel ao Maior do Mundo pela primeira vez. Sim, porque outras intervenções podem acontecer, podem reduzir a capacidade do estádio para 10 mil pessoas que seja… o Maracanã será sempre e para sempre o Maior do Mundo (escrevo assim, Maior do Mundo, e ouço a voz do Jorge Cury).
Peço aos deuses do futebol que protejam meu coração (fui, hoje, ao cardiologista). Antevejo fortes emoções, mal posso esperar para, de mãos dadas com ele, subir as rampas do estádio a fim de alcançar o anel superior e dar de cara com o gramado, as arquibancadas cheias (ingressos para o Setor Norte esgotados!), aquele monumento diante dos olhos do meu menino, do nosso piá, que anda apaixonado de um jeito comovente pelo Flamengo.
Serei eu, de novo, o menino que foi ao Mário Filho pela primeira vez em 1978. Tendo pelas mãos não o pai, que me levou pra ver Flamengo x Vasco - mas meu filho.
Será, não tenho dúvida, o dia mais bonito de nossa história - a minha e a dele - desde o 31 de maio de 2018, quando ele chegou ao mundo.
Será - eu sei mas ele ainda não saberá - uma espécie de pacto de sangue, um jogo de dobrar o Tempo, o marco inicial de uma história que há de misturar o cimento das arquibancadas, o axé plantado naquele terreiro gramado, as lágrimas que derramaremos misturadas às lágrimas que derramei ao longo desses 45 anos que tenho de Maracanã, um arremesso sem precedentes em direção ao passado que resgatará seu bisavô, meu avô materno, que foi ao estádio pela primeira e última vez em 1950, que me resgatará menino, que fará o Zico entrar de novo em campo, e que me redimirá de todas as dores de amores que me açoitam às vésperas do 27 de abril.
MEU NOVELO DE MEMÓRIAS
É - disse e digo de novo - sempre assim durante os abris.
Serei - eu disse que seria e serei - mais assíduo até 27 de abril.
Farei mais e mais balanços públicos.
Porque há quem adoeça por não falar.
Há quem adoeça por não saber se expressar.
E há quem adoeça por não escrever: sou desses.
Até brevíssimo!
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