Não lembro, com precisão, quando foi meu primeiro Bola Preta - o que, aliás, é coerente com o caráter caótico da festa. Lembro, entretanto, que o centenário Cordão ainda saía da Cinelândia, da avenida 13 de Maio, onde ficava sua antiga sede. Pequeno, centenas de pessoas - não milhares, não as mais de um milhão de pessoas que, hoje em dia, inviabilizam, já há tempos, a saída da Cinelândia (hoje, o Cordão da Bola Preta sai da avenida Antônio Carlos com mais de um milhão de pessoas que se deixam levar pelo fascínio da apoteose das apoteoses).
Quando os clarins anunciam que lá vem a Marcha do Cordão da Bola Preta, meus poucos mas fiéis leitores, alguma coisa acontece no meu coração - e é assim desde a primeira vez que amanheci na Cinelândia.
Sístoles, diástoles, palpitações, os olhos cheios d´água, uma emoção que é, por tudo, inexplicável (a gravação abaixo, ao vivo, com Elizeth Cardoso, é demais!).
Não saberia lhes dizer o tanto que vivi no Bola Preta.
Sempre - desde sempre - fui de mulher ao Bola Preta, tempos em que ninguém enchia o saco, fosse qual fosse sua fantasia, no papel insuportável de fiscal da alegria alheia.
Fui Colombina, Vilma Flinstones, Vilma Rousseff (um misto de Vilma Flinstones com Dilma Rousseff), Maria Bethânia, Frida Kahlo, uma argentina que chegou a ser entrevistada por mais de uma emissora (tamanha a produção, foto abaixo), Nêga Maluca, Gal Costa, Dona Benta, Penélope Charmosa (num Carnaval em que saímos os dois, eu e Luiz Antônio Simas, com a mesma fantasia) e outros bichos.
Num único ano, 2018, fui de cara limpa porque precisava proteger a dona da barriga que gestava Leonel - sim, 2018 foi o ano do primeiro Bola Preta do piá -, ela que também nunca abriu mão, desde que chegou ao Rio, de amanhecer, no Sábado de Carnaval, diante do mais importante e mais bonito bloco do Carnaval carioca.
Sentia, às sextas-feiras, véspera do Sábado de Carnaval, que vivia uma espécie de transe mediúnico. Abatia-se sobre mim uma tristeza com o peso de mil bigornas e Eduardo Goldenberg anunciava seu desaparecimento por 24 horas.
Houve um ano em que, diante de uma Folha Seca lotada, subi numa das cadeiras para fazer um discurso de estadista anunciando minha morte temporária: eu renasceria somente no Domingo de Carnaval depois de mais um Bola Preta.
Foi na Folha Seca, inclusive, na rua do Ouvidor 37, Centro do Rio de Janeiro, que assistiu-se, no dia 20 de janeiro de 2009, a um número: estou cantando Bola Preta, choro de Jacob do Bandolim com letra póstuma de Aldir Blanc, com o auxílio de Gabriel Cavalcante (voz e cavaquinho), Tiago Prata (violão de 7 cordas) e Leal, que já virou saudade, no tamborim.
Bola Preta, sempre o Bola Preta.
Muito por conta da maluquice que implementávamos em quase tudo o que fazíamos, passamos a organizar, a cada Sábado de Carnaval, o Café da Manhã do Bola Preta - e era, meus poucos mas fiéis leitores, coisa de nada dever ao mais farto café-da-manhã do mais estrelado hotel da cidade: a partir das seis da manhã, garrafas de espumante no balde de gelo, pães de todo gênero, frios, patês, ovos, bacon, charcutaria, um espetáculo incrementado pelo camarim que ela montava no nosso quarto para que se maquiassem e se transformassem aqueles que quisessem.
Com direito à casa decorada, balões brancos e pretos, confete, serpentina e muita marchinha em alto volume.
A edição do dia 16/01/2021 da newsletter contou um pouco sobre a efeméride do Bola Preta, aqui.
Em 2012 vivi minha prova de fogo no Cordão (falo sobre o Carnaval de 2012 na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, mais pra baixo).
Ano passado, 2023, o mais triste e melancólico dos desfiles do Cordão - porque era assim, triste e melancólico, que eu estava. Era como se eu soubesse, e acho que eu já sabia, que ali estava pela última vez.
Não houve, inclusive, e pela primeira vez em muitos anos (tirando os anos da pandemia), o Café da Manhã do Bola Preta.
Como estava dizendo: eu já sabia que era meu último desfile no Cordão.
E não porque eu vá morrer antes do próximo Sábado de Carnaval.
Tampouco porque vá morrer o imortal Bola Preta.
É que morreu o que me movia.
A pouco menos de um mês do Sábado de Carnaval - percebo isso fácil, são as vantagens dos 54 anos - não me vislumbro no Bola Preta.
A correria dos anos passados, sair da Sapucaí depois do primeiro dia de desfile do Grupo de Acesso na sexta-feira para chegar a tempo da saída do Cordão da Bola Preta, não vai mais acontecer.
O choro convulso que explodia quando a banda começava a tocar, não vai mais acontecer.
Será, entretanto, para sempre, meu lugar preferido no Carnaval - ao lado, é claro, da Academia do Samba.
Quando eu morrer, apud Aldir Blanc, levarei comigo, dentro do meu coração, o Cordão da Bola Preta e a Acadêmicos do Salgueiro.
ERRATA
Na semana passada (aqui), escrevi:
* a Feijoada da Apuração começou a ser preparada na Mansão dos Zampronha, na Usina, no Alto da Tijuca, em 2001. Em 2012 teve lá, a última edição com minha participação. A partir de 2013 passei a fazer em casa, antes na Tijuca e desde o ano passado (2023) em Copacabana, onde acontecerá a 24ª edição da feijoada.
Eis o correto, correções em negrito e itálico:
* a Feijoada da Apuração começou a ser preparada na Mansão dos Zampronha, na Usina, no Alto da Tijuca, em 2000. Em 2015 teve lá, a última edição com minha participação. A partir de 2014 passei a fazer em casa, antes na Tijuca e desde o ano passado (2023) em Copacabana, onde acontecerá a 23ª edição da feijoada, porque em 2021 e em 2022, por conta da pandemia, não houve feriado.
Feita a correção, a boa nova: farei, no dia 14 de fevereiro, a 23ª Feijoada da Apuração.
A receita do meu feijão, do textos mais lidos do blog, está aqui.
A ETIQUETA BOISSON
Eu já lhes falei sobre Guilherme Boisson aqui, aqui e na semana passada, aqui.
Faz, faço a confissão, estrondoso sucesso entre assinantes e leitores, o menino Boisson.
Quero reproduzir trecho do texto da semana passada:
“Guilherme Boisson (quero lhes contar uma curiosidade sobre o sujeito) esteve ontem no IV Bife Wellington juntamente com (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) Eduardo Cavaliere, Gustavo Villani e Lucas Padilha.
Todos, sem exceção, vieram trazendo bebidas (e muitas, nenhum dos quatro convidados foi econômico).
Inclusive ele, Guilherme Boisson.
Só que Boisson fez algo que, em 54 anos de vida, eu nunca havia visto. Explico.
Na hora de ir embora (hoje pela manhã, ele dormiu aqui em casa) o que fez Guilherme Boisson?
Recolheu as bebidas que trouxe (foram seis garrafas e apenas a de vinho foi inteiramente consumida) e as levou de volta para casa.
Nunca, nunca!, vi isso.”
Ao longo da semana contabilizei inúmeras mensagens por e-mail ou por qualquer outro dentre os tantos meios que permitem a interação com quem me lê: todos queriam saber, incrédulos, se eu falava sério ou se era apenas uma blague.
Pois faço aqui a confissão pública: trata-se da verdade, da mais ímpia verdade, da mais absoluta e imaculada verdade. Boisson, pela manhã, desavergonhadamente, sem sequer corar, recolheu uma a uma as garrafas que trouxe, guardou-as com cuidado na mochila que trouxera e despediu-se como se nada estivesse acontecendo.
Um assombro.
Volto, vocês sabem que eu volto, ao personagem.
DAS PRATELEIRAS DO BUTECO DO EDU
Hoje, na seção Das prateleiras do Buteco do Edu, blog que mantive ativo de março de 2004 a dezembro de 2020, por conta da ocasião (a proximidade do Carnaval é sempre uma senhora ocasião), o texto Faltam 21 dias, publicado no dia 28 de janeiro de 2012, aqui. Era meu primeiro Carnaval depois da morte da mulher que, a despeito disso, estava viva (e viva ainda se mantém) e também meu primeiro Carnaval com a mulher que me chegava e que, a despeito da separação, doze anos depois mantém-se próxima com a mesma intensidade que a manterá viva para sempre. Você, que me lê, deve estar se perguntando da primeira mulher, a que apesar de viva está morta: não, nunca esteve comigo no Cordão da Bola Preta, nunca vivemos juntos a apoteose das apoteoses.
“Faltam exatamente 21 dias. Às nove e meia da manhã do dia 18 de fevereiro estará aberto, oficial e subversivamente, o Carnaval no Rio de Janeiro. Digo subversivamente porque nasceu, o Cordão da Bola Preta, de forma absolutamente subversiva. Proibidos pelo Chefe da Polícia de então, os cordões (uma espécie de dissidência e de versão esculhambada dos blocos e das sociedades) no Carnaval de 1919, nasceu na extinta Galeria Cruzeiro, no Centro do Rio, da cabeça de um bando de malucos, o Cordão da Bola Preta, que faria seu primeiro desfile (ou seu primeiro baile, como preferem alguns) no dia 31 de dezembro de 1918. Em 2012, então, com 92 anos e alguns meses de vida, fará, o glorioso cordão, mais um desfile pelas ruas do Centro.
Sobre o Cordão da Bola Preta, nos conta Jota Efegê, em seu Figuras e coisas do Carnaval carioca:
“Nas proximidades do carnaval que, naquela época (1918), começava a ferver desde outubro nos festejos da Penha, o folião K. Veirinha erguendo seu copo de chope resolveu desafiar o chefe de polícia: “Vamos formar um cordão!” E, mostrando sua disposição de luta contra a autoridade, concluiu: “Ele disse que vai fechar todos os cordões, mas o nosso ele não fecha! O nosso é de bola preta!” Toda a turma, já com duas ou três altas pilhas de cartões na mesa, topou a parada e resoluta, pondo em alvoroço o Bar Nacional, da famosa Galeria Cruzeiro, prorrompeu em vivas seguidos.
Nascia, desse modo, em meio de uma reunião boemia, que acontecia normalmente, todas as tardes, o já hoje tradicional Cordão da Bola Preta, conhecido em todo o Brasil e também no estrangeiro. Ficava, igualmente, consagrado como folião, pois que já o era desde rapazola, o Álvaro Gomes de Oliveira, conhecido no Clube dos Democráticos como Trinca Espinha, apelido mais tarde substituído pelo de K. Veirinha.
À guisa de biografia
Antigamente, todos os associados de destaque dos grêmios carnavalescos adquiriam um pseudônimo sempre precedido de aristocrático Lord. Assim, Álvaro de Oliveira que, ainda garoto, de menor idade, conseguiu ser sócio dos Democráticos quando o alvi-negro tinha sede no Largo do Machado, ganhou sua alcunha. Deram-na, mais tarde, já na Rua do Hospício (hoje Buenos Aires), para onde o clube se transferiu, uma bem divertida: Lord Trinca Espinha. Continuou com ele da Rua dos Andradas e também na do Passeio, locais onde os valorosos ‘carapicus’ estiveram instalados.
Só em 1918, depois da terrível epidemia de ‘influenza espanhola’, da qual, conseguindo escapar, ficou, no entanto, bastante magro, esquelético, perdeu sua antonomásia. Um amigo, vendo-o em tal estado exclamou: “Puxa, você parece uma caveira”. À tarde, na costumeira chopada do Bar Nacional, a turma homologou definitivamente o apelido: “Viva o K. Veirinha!” Nunca mais se deixou de chamá-lo por esse diminutivo ou de completar seu verdadeiro nome com ele: “o Álvaro K. Veirinha”.
K. Veirinha enfrenta o chefe Leal
Carnavalesco de quatro costados, integrante de um grupo do qual faziam parte, entre outros, os irmãos Oliveira Roxo (Jair, Jorge, Joel), Chico Brício, Archimedes Guimarães (Fala Baixo), Álvaro de Oliveira era desassobrado. Ao ler nos jornais uma portaria do chefe de polícia, Dr. Aurelino Leal, achou o momento propício para mostrar sua coragem. Rigorosa, ameaçadora, a publicação dizia: “Os grupos e cordões que perturbarem a ordem pública terão suas licenças cassadas, sendo os perturbadores presos e processados, na forma da lei”. Proibia, ainda, mais adiante, de maneira igualmente decisiva, a fundação de grupos similares.
Longe de se amedrontar e disposto a topar uma parada com o “chefão” temido, o grupo das alegres reuniões chopísticas de um dos bares da galeria Cruzeiro seguiu coeso o líder K. Veirinha. Iriam, todos, desobedecer o mandachuva. Alugaram a sede do Clube dos Políticos, na Rua do Passeio, e na noite de 31 de dezembro de 1918, com um “maixético e rebolativo baile” (como era de praxe qualificar as festas dançantes carnavalescas) consumavam a deliberação. Iniciava, assim, o hoje famosíssimo Cordão da Bola Preta e sua brilhante e vitoriosa trajetória.
Tradição da Bola Preta
O sucesso da noitada de nascimento do Cordão da Bola Preta, com o salão apinhado e a fachada do clube feericamente iluminada, abriu-lhe caminho fácil nos meios carnavalescos. Seus iniciadores (K. Veirinha, Chico Brício, Vaselina, Pato Rebolão, Fala Baixo, Porrete e outros) puderam levar à frente o foliônico grêmio sempre com seus bailes excessivamente concorridos. Sem instalação definitiva, realizando seus fandangos na Rua 13 de Maio, no Palace Clube, na Cinelândia, num salão do antigo Liceu de Artes e Ofícios, acabou, por fim, rico e poderoso, com a sede própria que ora possui.
Álvaro de Oliveira viu, desse modo, triunfar sua iniciativa ao mesmo tempo que se firmava uma tradição levando o nome do cordão até ‘as estranjas’ como fator preponderante do fascínio do nosso Carnaval. Os turistas que aqui chegam para conhecer o nosso famoso tríduo de Momo desembarcam na Praça Mauá ou no Galeão perguntando pelo baile do Teatro Municipal e também pelo do ‘Bôle Preete”. Coisa que, inegavelmente, apesar do seu feitio boêmio, desprendido, envaidece o K. Veirinha, fundador e sócio número um, benemérito, na prestigiosa agremiação.
Saudosista, mas não muito
Afastado das homéricas “farras” dos áureos tempos em que o Carnaval carioca conseguia dividir durante o ano inteiro a cidade em três facções: ‘baetas’, ‘gatos’ e ‘carapicus’, Álvaro de Oliveira é agora um homem tranqüilo. O folião K. Veirinha hoje é apensa um assistente da festa de Momo. Às vezes, matando saudades, aparece no cordão e vê seus sócios vibrando, entoando o hino feito pelo maestro Vicente Paiva e Nelson Barbosa para empolgar a moçada: “Quem não chora não mama, segura, meu bem, a chupeta. Lugar quente é na cama ou, então, no Bola Preta”.
Recorda, vendo a animação reinantes bons tempos. Lamenta não encontrar ali a ‘velha turma’, em grande parte desaparecida, ou, como ele, fora da ‘linha de fogo’. Orgulha-se, porém, de ver seu cordão vibrante, nascido de uma rebeldia momentânea, resultado da desobediência ao ‘chefão’, abrilhantando de maneira decisiva a maior festa da Cariocolândia. Caminhando para o meio século de existência o Cordão da Bola Preta, sólido e vitorioso, faz também (reconhece ele feliz e exultante), a consagração de seu apelido: K. Veirinha.”
Eu já lhes contei, incontáveis vezes, o que é representa, pra mim, a saída do Bola Preta (vejam, aqui, vídeo gravado no dia 20 de janeiro de 2009, eu, Gabriel Cavalcante no cavaquinho, Leal no tamborim e Tiago Prata no sete cordas, na Folha Seca, cantando Bola Preta, choro de Jacob do Bandolim com letra póstuma de Aldir Blanc contando toda a história do cordão, que pode ser lida – e ouvida, na voz de Aldir -, aqui). Mas esse ano, nesse ano de 2012, vai ser diferente…
Anseio, com a ansiedade de um menino, pela sexta-feira da véspera. Pela noite que será, eu sei, passada em claro. Pelas primeiras luzes do sábado, pelo primeiro gole, ainda dentro de casa, pelo trajeto até o Centro. E o Bola Preta, subvertendo de cara a lógica e o trajeto de tantos anos, não partirá da Cinelândia, mas da Candelária. Vai ser ali, diante da imponente Candelária, a concentração do Bola Preta que, a se confirmar o crescimento ano a ano que se vê nas ruas, arrastará mais de dois milhões de foliões pelo asfalto quente da Rio Branco em direção à Cinelândia, palco de tantas manifestações da força do povo do Rio de Janeiro.
Anseio pelo Sábado de Carnaval, pelo primeiro grito do Bola Preta, para dar início ao processo pagão e milagroso que a festa momesca impõe aquele que se entrega, de corpo e alma, aos ritos carnavalescos. Como disse, certa vez, o mestre Luiz Antonio Simas, “o carnaval não é uma festa dos alegres, mas sim dos tristes.”. Disse mais, o professor: “O carnaval é um período marcado pelo símbolo da máscara, onde se inaugura a idéia de esquecimento do que efetivamente somos. Desde os primórdios da festa, a função social do carnaval é promover a inversão dos valores do cotidiano. O homem veste-se de mulher, o careta toma porres homéricos e por aí vai. O carnaval é o tempo do esquecimento necessário. (…). O que está presente no carnaval é, antes de tudo, a pulsão de morte. Matamos o que somos o resto do ano, repletos de horários, compromissos, burocracias e por aí vai. O lugar dos alegres é o camarote da cervejaria, a feijoada do Amaral e outras merdas do gênero. O grande folião, tenha certeza disso, é um triste.”. Outro sujeito a quem respeito, Claudio Renato, cravou na mosca: “Carnaval é a festa dos tristes, dos refugiados, dos abandonados, dos enganados, dos humilhados, dos ultrajados, dos vencidos, dos lusitanos, dos nostálgicos, dos moribundos, dos desempregados, dos deserdados, dos órfãos. Carnaval é a festa máxima do povo brasileiro.”. E, pra encerrar as citações que dão mais peso ao que lhes escrevo, Fernando Szegeri (Divagações cinerárias, em 22 de fevereiro de 2007, aqui):
“A verdade, meus amigos, é que o folião é, acima de tudo, um altivo. Daquela altivez de que nos fala Pièrre Verger ao observar que Pai Balbino, um humilde vendedor de quiabos na feira de Água dos Meninos, portava-se com a dignidade de um rei, por ser filho de Xangô. Daquela soberba que nos percorre o corpo e a alma depois de uma noitada boa de amor, ao encontrar de manhã no elevador a vizinha carola do 1201.
O folião, na quinta, sexta-feira que precedem os dias de Carnaval, encara as pessoas na rua, no ânibus, com uma acachapante superioridade. Tem pena de seu patrão, despreza o seu senhorio. Ele sabe, no seu íntimo, que a cidade lhe pertence, que as coisas na verdade não são como parecem na maioria dos dias; que a superioridade que o capataz lhe cospe reitaradamente às faces é uma ilusão que lhe custará caro. São chegados os dias em que tudo assume a sua feição verdadeira, em que as máscaras cinzentas que foram impostas à realidade são impiedosamente arrancadas. Essa efêmera mas irrefutável prova sobre o verdadeiro estatuto das coisas lhe propicia um inexprimível sentimento duplo de superioridade: por ter consciência desta realidade e por saber-se o senhor livre e soberano de seu próprio destino.
É por isso que ao folião repugnam as insuportáveis pessoas que simplesmente ignoram o Carnaval. Não as que o odeiam. Ele compreende que para os que se arvoram em donos das coisas e dos destinos nos outros trezentos e sessenta e um dias, a visão crua da realidade absolutamente diversa lhes seja insuportável. Aos que francamente detestam o Carnaval o folião responde com um sorriso de aviso: não tentem interferir no desvelamento essencial desses dias; contenham-se nos limites da sua mentira. Mas aos que ignoram o Carnaval, que estampam em suas faces lânguidas e mortas a sua estupidez indiferente, o folião devota, muito mais que piedade, um ódio secreto, um desprezo absoluto pela incapacidade de exercerem um atributo tão fundamental e tão simples de sua humanidade.”.
É isso, meus poucos mas fiéis leitores.
Faltam 21 dias. E eu serei, nesses dias que antecedem o Sábado de Carnaval, um ansioso à espera da apoteose das apoteoses.
Até.”
LIVROS (A HORA DA JABALÂNDIA)
Publiquei pouca coisas até hoje.
Mas publiquei.
Meu lar é o botequim, que está esgotado, foi o primeiro (mentira, tenho vergonha do primeiro e por isso eu o omito). Pode ser comprado só em sebos (aqui) - tenho apenas um exemplar novo em folha e que estou aqui pensando como posso sortear.
De hoje não passa, escrito a quatro mãos (uma troca de cartas) com Julio Bernardo (aqui).
E Tijucanismos, aqui.
Uma ou outra coletânea… e olhe lá.
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UMA DICA DE PLAYLIST
Quero indicar a vocês, meus pouco mas fiéis leitores, uma das playlists que montei no Spotify - Rio de Janeiro - que já conta com 122 seguidores.
Ela será permanentemente incrementada (e eu aceito sugestões que podem ser enviadas por e-mail!).
Ela está aqui ou, se preferir, ouça já! - abaixo.
A referida playlist deve ser ouvida no modo aleatório e, repito, está longe de estar definitivamente pronta. Assim como eu.
Até.
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